abril 25, 2006

"Um filme falado"

(Um filme falado, 2003 - Manoel de Oliveira)
Mãe e filha partem de Lisboa em um cruzeiro rumo a Bombaim, onde o marido/pai - que é aviador civil - espera para que possam curtir umas férias. Ao fazer essa viagem, a mãe - que é professora de história - espera visitar os lugares (França, Itália, Grécia, Egito, Turquia e Iêmen) que conhece "na teoria". Ao responder a todas as perguntas da filha, ela vai dando uma aula sobre as grandes civilizações da humanidade. Em cada parada, novas histórias, novos hóspedes e mais histórias. Tudo corre bem até a parada em Aden. Manoel de Oliveira faz um filme grandioso, sem um "senão" sequer. Texto primoroso, imagens belíssimas, elenco internacional afiado - com destaque para Leonor Silveira e a pequena Filipa de Almeida - e um final de cair o queixo. Sem dúvida alguma, um dos melhores filmes a que já assisti.

"A casa dos bebês"

(La casa de los babys, 2003 - John Sayles)
País da América do Sul. Um programa governamental disponibiliza crianças para adoção por pais estrangeiros. Seis mulheres norte-americanas inscrevem-se e aguardam, num mesmo hotel, a decisão judicial que irá realizar seus sonhos de maternidade. A espera, no entanto, nos revela as tragédias pessoais (alcoolismo, abortos, casamento em crise, solidão e infertilidade) e um pouco do caráter de cada uma delas. A partir disso, o espectador vai começar a torcer para que essa ou aquela "ganhe" logo seu bebê. Fora do hotel, a realidade das ruas mostra crianças abandonadas envolvidas com pequenos furtos, cola, fome, serviços em sinais, malabares... Em torno do poder econômico que permite que os gringos comprem até mesmo "crianças", levanta-se vez ou outra uma discussão sobre os infortúnios da globalização. Ao misturar todas essas situações e entregá-las a um elenco entrosado, Sayles consegue fazer um filme simples na forma e riquíssimo na caracterização da natureza humana. Numa das cenas mais tocantes, uma das gringas relata à camareira o que ela imagina fazer num dia de neve com sua filha; a serviçal, por sua vez, conta seu drama e revela um desejo. A cena final é interessantíssima e bem coerente com a maneira imparcial com que o diretor e roteirista optou por contar sua história.

"Geração roubada"

(Rabbit-proof fence, 2002 - Phillip Noyce)
"Geração roubada" conta a história de Molly, Gracie e Daisy, 3 garotas australianas que são arrancadas de suas famílias em função de um programa governamental que visa à extinção da raça aborígene através da miscigenação com o branco. São levadas para um campo de treinamento e preparadas para serem domésticas. Molly não aceita a violência da separação nem a submissão daquele lugar. Obstinada, lidera a fuga de mais de 2 mil quilômetros, cruzando o país a pé em busca do seu lar. Apoiado no talento do trio infantil e de Kenneth Branagh (que faz o governador), o diretor nos entrega um filme tocante, revelando esse absurdo que vingou até meados dos recentes anos 70 e que é responsável por inúmeros problemas relacionados à falta de identidade dos aborígenes. Detalhe: as meninas são representantes da raça em extinção em questão, tinham - até as filmagens - pouquíssimo contato com a civilização branca e - óbvio! - nenhuma experiência com interpretação. Esse foi outro filme que passou bem pela revisão.

"O agente da estação"

(The station agent, 2003 - Thomas McCarthy)
Fin trabalha na loja de um amigo consertando miniaturas de trem-de-ferro. Com a morte do proprietário, ele herda um pedaço de chão em Terra Nova, que inclui um posto de estação ferroviária. Sem nada mais na vida para fazer, ele se muda para lá. Ah, Fin é um anão que - de tanto ser discriminado - tenta viver solitário. Só que essa empreitada tem tudo para dar errado, uma vez que sua "casa" fica de frente para o trailer de "cafe con leche" de Joe, um jovem cubano bacana que não consegue ficar calado de jeito nenhum e cujo pai é muito dependente dele. A esses dois, junta-se a arredia artista plástica Olívia (Patricia Clarkson em outra grande atuação), uma mulher que vive longe de todos, fugindo de um trauma recente. É óbvio que o ponto de convergência dessas 3 histórias está no brincalhão Joe, é ele quem vai quebrando as amarras de Fin e Olívia. A partir de então, começa a surgir uma amizade que pode colocar a vida de todos eles nos trilhos. "O agente da estação" é encantador, com um roteiro adulto e inteligente, que não apela para fórmulas fáceis.

"O filho da noiva"

(El hijo de la novia, 2001 - Juan José Campanella)
21 de abril, feriado com tempo de sobra para alguns flashbacks. "O filho da noiva" passou bem pela revisão. A noiva é uma senhora com Alzheimer. O noivo, um marido absurdamente apaixonado mas que nunca quis se casar na igreja. O filho, um dono de restaurante estressadíssimo, separado, pai de uma filha e vivendo um relacionamento - que obviamente não vai bem - com uma jovem e bela mulher. Misture tudo isso e você terá um filme sobre (re)considerações e recomeços. É emocionante o empenho do noivo em levar ao altar a mulher com quem vive casado há 44 anos. Apesar de todo o elenco estar excelente, o filme é de Norma Aleandro e Héctor Alterio, vivendo um casal de idosos apaixonado como há tempos não se via no cinema.

"Espíritos - A morte está ao seu lado"

(Shutter, 2004 - Banjong Pisanthanakun & Parkpoom Wongpoom)

Fotógrafo e namorada atropelam mulher e saem sem prestar socorro. A partir de então, vultos de um passado que ele quer esquecer começam a aparecer nas suas fotos. Com algumas situações absurdas e uns 3 ou 4 sustos bem dados, "Espíritos" até prende a atenção, mas não surpreende. A primeira hora tenta assustar com situações recorrentes em filmes de terror recentes: banheira com afogado transbordando água; moça-fantasma de cabelos negros, escorridos e molhados... Sem pensar muito, lembro-me de ter visto coisas semelhantes em "O chamado", "O chamado 2", "Água negra" e "O exorcismo de Emily Rose". Mas nos 30 minutos finais, a história ganha fôlego. A cena em que a namorada descobre a verdade sobre as aparições é bem interessante. E daí para a frente, são só revelações. Assim, o filme termina melhor.

"O Novo Mundo"

(The New World, 2005 - Terrence Malick)
Ao contar a história da ocupação do estado da Virgínia no início do século XVII, o diretor usa o encantamento que toma conta de um oficial inglês e de uma indiazinha para retratar a relação entre colonizador e colonos, numa mistura de curiosidade e conflito. O que era óbvio para quem conhece o estilo do diretor parece estar frustrando a platéia que vai ver o filme "enganada sim" pela ação que é vendida no trailer: o cinema de Malick é contemplativo, com poucos diálogos e imagens belíssimas. Mas a história está toda ali, encantadora para quem está disposto a desvendá-la. Porque é assim que ele filma, a ação não está no primeiro plano, não é jogada na cara do público. Para ficar mais fácil de entender: se o cinema dele fosse literatura, seria poesia e não prosa. E exige mais que um simples olhar para ser decifrado, pede coração.

"A garota da vitrine"

(Shopgirl, 2005 - Anand Tucker)

Garota simples e pobre trabalha numa loja chique na 5th Avenue e sonha em encontrar um grande amor. Aparecem dois homens bem distintos: um rico e sedutor senhor e um jovem pobretão e desengonçado. Tanto um quanto o outro trazem delícias e dores para a vida da moça. E foi por esse detalhe que o filme me ganhou: o príncipe da nossa Cinderela não está em um homem só. "Garota da vitrine" surpreende ao falar de solidão, medo (de amar e de perder esse amor), insegurança, traição. Claire Danes (de "Tudo em família" e "Romeu+Julieta") leva o filme nas costas, está magnífica ao compor uma personagem que vive intensamente suas emoções. O filme só perde pontos ao buscar o riso fácil com as intervenções do garotão vivido por Jason Schwartzman (aliás, seu amadurecimento não convence de jeito nenhum e é outro ponto fraco da história). Ainda assim, o saldo final é altamente positivo.

abril 19, 2006

"As chaves de casa"

(La chiavi di casa, 2004 - Gianni Amelio)

Pai encontra filho pela primeira vez quinze anos depois de um parto complicado do qual a mãe saiu sem vida e o garoto com problemas psíquicos e físicos. Parece um filme perfeito para arrancar lágrimas? Mas ainda bem que não é. "As chaves de casa" emociona muito mais pela maneira natural com que a história dos dois vai sendo construída, sem cobranças por parte de um, sem fantasias por parte do outro. Uma relação que vai-se mostrando promissora, mas nem por isso tranqüila e harmoniosa. Com boas atuações - inclusive da coadjuvante e sempre ótima Charlotte Rampling - e um roteiro honesto no que diz respeito à criação dos laços afetivos entre os protagonistas, Amelio nos entrega uma obra tocante e - acima de tudo - séria.

abril 13, 2006

"V de Vingança"

(V for Vendetta, 2006 - James McTeigue)
Os homens passam, as idéias não. No dia 5 de novembro de 1605, um cidadão inglês foi preso num túnel sob o Parlamento com várias bananas de dinamite. A tentativa de manifestação contra a Coroa Britânica foi silenciada com a forca e o esquartejamento. Mas até hoje, a data é comemorada na Inglaterra. "V de vingança" se passa numa Londres do ano 2020, governada por um tirano que impõe toda sorte de restrições aos ingleses. Um mascarado (Hugo Weaving, que fica o filme inteirinho com o rosto coberto) aparece para tirar a população da letargia, conclamando todos a estarem com ele no próximo "November 5th" para terminar o que deveria ter sido feito há quase 500 anos. Já nas primeiras cenas, ele se encontra com Evey (Natalie Portman), cujo passado tem elementos fundamentais para que ela se transforme na sua fiel parceira. Daí até o final, inúmeras revelações, questionamentos e dúvidas vão surgindo. Apesar disso, dificilmente alguém da platéia vai torcer para que alguma dê errado no dia "V". Ah, e tem música brasileira no longa: no momento em que o mascarado está preparando um breakfast, entra o som jazzie de "Garota de Ipanema".

abril 12, 2006

"Paradise now"

(Paradise now, 2005 - Hany Abu-Assad)
Khaled e Said são palestinos, amigos de infância e trabalham juntos numa oficina mecânica. Até o dia em que recebem a missão de se transformarem em homens-bomba para vingar mais um atentado israelense. Eles aceitam, não porque entendam, concordem ou coisa parecida: a sua cultura é aquela, vivem isso desde que nasceram. Apesar de tudo ter sido devidamente planejado, algo sai errado e os dois se vêem presos às bombas, entre a dúvida de seguir em frente por conta e risco ou voltar para casa. É o paraíso prometido podendo se transformar no inferno da vergonha, do fracasso. Ao retratar suas dúvidas e angústias, "Paradise Now" nos revela um círculo vicioso de matança que nada acrescenta em relação a um acordo de paz: é sangue pedindo mais sangue. As cenas tocantes são muitas. Ao condenar a ação dos homens-bomba, uma moça que se interessa por Said questiona: "Vocês já pararam para pensar em quem fica?", não se referindo somente à família e amigos, mas ao próprio povo palestino que herdará um outro atentado e tantas mortes como resposta. A última noite dos mártires com suas famílias também é de matar. O desfecho com a sala do cinema no mais absoluto silêncio e escuridão - enquanto sobem os créditos - é um soco no estômago e faz a platéia deixar a sessão imersa na mais pura reflexão.


"Um lugar para recomeçar"

(An unfinished life, 2005 - Lasse Hallstrom)
Einer perdeu o filho em um acidente de carro e culpa a nora por isso. E é justamente a moça quem vem pedir sua ajuda 11 anos depois, trazendo um trunfo que ele não conhecia: uma neta. O final da história dá para saber logo de cara. Ainda assim, é bem interessante acompanhar as (revira)voltas que Hallstrom (de "Chocolate", "Regras da vida", "Chegadas e partidas" e "Minha vida de cachorro") filma com maestria, extraindo boas interpretações de todo o elenco - Jennifer Lopez incluída. É bom ver Robert Redford numa grande atuação: a amargura, a rispidez e a tristeza de Einer duelam bem com seu lado justo e solidário, permitindo compor um personagem emocionalmente rico. Sem falar que o ator - mesmo assumindo todas rugas - mostra que não deixou de ser galã.

abril 11, 2006

"Clube da Lua"

(Luna de Avellneda, 2004 - Juan José Campanella)
Para falar da degradação de um país e das relações amorosas, Campanella conta a história do "Clube da Lua", um espaço de integração social que - nos anos 30 - sediou festas e inúmeras atividades comunitárias e nos dias atuais tem uma dívida impagável de 40 mil pesos com a prefeitura. O drama do clube é um espelho da crise política que assolou a Argentina a partir dos anos 90, é o reflexo da falta de cuidado que destrói relacionamentos... Ninguém sabe direito onde e quando começaram os problemas, mas percebem que tudo está desmoronando agora. O conflito se instala de vez quando um grupo de empresários manifestam interesse de comprar o clube para transformá-lo em um cassino, o que vai gerar 200 empregos diretos para a comunidade. Ramón (Ricardo Darín) é um dos sócios que faz de tudo para manter o espaço funcionando. E aí? Vai ganhar a razão ou a emoção? O dinheiro ou as recordações? "Clube da Lua" tem um elenco de peso, vários deles com participação em filmes como "O filho da noiva", "O abraço partido", "O pântano" e "A menina santa". Não gostei da fotografia muitoescura praticamente durante toda a projeção. Se era para passar o desconforto dos personagens, a semi-escuridão foi além e chegou às vias de sufocar a platéia. E o diretor poderia ter enxugado em 40 minutos a sua película. Ah, e como em "O filho da noiva", ainda entra uma cena entre os créditos finais, só que dessa vez bem desnecessária por se tratar de um repeteco. E piada não tem tanta graça quando ouvida uma segunda vez.

"A era do gelo 2"

(Ice Age: the meltdown, 2006 - Carlos Saldanha)
Ao colocar os personagens do primeiro filme lidando com temas atuais (aquecimento global e derretimento das geleiras), "A era do gelo 2" conseguiu criar uma trama envolvente, cheia de ação (dá para imaginar o que acontece com a bicharada toda buscando uma "Arca de Noé", né?) e divertidíssima. Sid, a preguiça, continua demais (rio só de vê-lo em cena, mas devo admitir que a dublagem do Tadeu Melo ajuda um bocado também). A animação ganha com o destaque dado nessa continuação ao esquilo Scrat (símbolo já do desenho) e sua eterna busca à avelã perdida. Outro ponto positivo é a introdução de novos personagens: a mamute Ellie e os irmãos gambás dão mais fôlego ao trio de amigos protagonistas (a preguiça, o tigre e o mamute) e prometem mais aventuras para uma certeira continuação.

"Irma Vap: o retorno"

(Irma Vap: O retorno, 2006 - Carla Camurati)
Vai ser difícil repetir o sucesso da peça "O mistério de Irma Vap" no cinema. Mas o filme vale, sem sombra de dúvida, pela atuação do Marco Nanini ao compor Cleide, a pequena grande cantora, uma homenagem descarada a Bette Davis de "O que terá acontecido a Baby Jane?".

abril 05, 2006

"2046 - Os segredos do amor"

(2046, 2004 - Wong Kar-Wai)

2046 é o número do quarto que abrigou um idílio amoroso. É também o ano em que se passa a trama de um romance futurista. E ainda o número do trem que transporta os passageiros que buscam suas lembranças perdidas. Dito isso, vamos à história do filme: num passado recente, um amor não correspondido provoca estragos profundos na vida de um jornalista que - desempregado - vê-se obrigado a escrever um romance onde mistura ficção e acontecimentos autobiográficos. Volta ao hotel em que viveu o inesquecível amor e - diante da impossibilidade de ocupar o quarto 2046 - ocupa o aposento do lado. Acaba se envolvendo com três mulheres que, posteriormente, hospedam-se no 2046. Sua vida amorosa passa a oferecer os elementos literários para seu trabalho, e é esse detalhe que enriquece o roteiro de Kar-Wai, misturando personagens, tempo e espaço de maneira criativa e encantadora. Mas não é só isso que faz de "2046" um grande filme: os boleros, jazz, ópera e música instrumental pontuam as cenas de maneira perfeita; os enquadramentos - cheios de closes e câmera lenta - nos deixam fisicamente mais próximos dos personagens; a iluminação difusa privilegia as penumbras, como se ajudasse a esconder o que o escritor não consegue ou não quer revelar; e o elenco feminino rivaliza tanto na beleza quanto na competência (Maggie Cheung, Gong Li, Zhang Ziyi - que nunca esteve tão sensual - e Faye Wong - belíssima no papel da filha da dona do hotel e de uma andróide).

abril 03, 2006

"Maria Bethânia - Música é perfume"

(Maria Bethânia - Música é perfume, 2005 - Georges Gachot)
Sob o olhar do suíço Gachot, a intérprete baiana fala sobre seu processo criativo, essa maneira tão autoral de colocar a marca dela nas composições dos outros. Estão no filme seu perfeccionismo, suas manias, seu bom e mau humor, suas lembranças de infância, ensaios e cenas do show "Brasileirinho", depoimentos do irmão Caetano, da mãe Canô, do venerado Chico Buarque, do maestro Jaime Alem e do "ministro" Gilberto Gil (este, num registro desnecessário, totalmente no sense). No entanto, fica o óbvio: um show de Bethânia é bem melhor que um filme sobre ela. Talvez seja por isso que os grandes momentos desse longa metragem são exatamente aqueles em que ela solta a voz.