junho 23, 2006

"A festa de Babette"

(Babettes gæstebud, 1987 - Gabriel Axel)
Há duas semanas, escrevi sobre "Betty Blue" para corrigir uma das injustiças da Liga dos Blogues Cinematográficos ao não incluí-lo entre os - pelo menos - 50 melhores filmes dos anos 80. O post de hoje é para reparar outra grande falha. "A festa de Babette" - que ganhou Oscar e BAFTA de melhor filme estrangeiro e teve seu diretor premiado em Cannes - é daqueles filmes encantadores - uma fábula, quase, sobre um jantar que desperta sentimentos escondidos e revela outros tantos nunca imaginados pelos habitantes de um vilarejo na Dinamarca. Tal proesa é executada por Babette, a chefe de um famoso café pariense que busca refúgio naqueles confins ao fugir de perseguições políticas na França. Só que desses atributos culinários, suas "patroas" nem desconfiavam. Até o dia em que a oportunidade de sair daquele lugar bate à porta da "empregada". Mas ao invés de fazer isso, ela prefere oferecer a toda a comunidade um autêntico banquete francês. Os preparativos mexem com a rotina do lugar e a noite do jantar transforma a vida de todos os que se deixaram tocar pela magia daqueles pratos e sabores. Vi esse filme várias vezes e sempre chego ao final emocionado, como se as mudanças vivenciadas lá tivessem atingido a mim. Sem falar na vontade louca de sair correndo para o restaurante francês mais próximo.

junho 17, 2006

"Nascidos em bordéis"

(Born into brothels: Calcutta's Red Light kids, 2004 - Zana Briski & Ross Kauffman)
Embrenhada no bairro da Luz Vermelha, periferia da cidade de Calcutá, uma fotógrafa esbarra na triste realidade de crianças crescendo no meio da prostituição, das bebidas e das drogas, sem perspectivas de um futuro diferente. Para tentar mudar isso, ela oferece câmeras para um grupo de meninas e meninos e pede que saiam registrando tudo o que virem pela frente. Depois, passa a se reunir com eles para analisar as fotos. As aulas de fotografia revelam um novo mundo para os "nascidos nos bordéis". Mas a educação que lhes bate à porta ainda encontra resistência: a desconfiança das mães, a burocracia do Estado, o preconceito da sociedade... É emocionante e encantador ir acompanhando a dedicação da fotógrafa e o crescimento visível dos seus talentosos aprendizes.


"Camelos também choram"

(Die geschichte vom weinenden kamel, 2003 - Byambasuren Davaa & Luigi Falorni)
Uma comunidade nômade no deserto da Mongólia tem sua rotina alterada pelo nascimento de um camelinho albino cuja mãe se recusa a amamentá-lo. Enquanto acompanhamos as tentavivas vãs de se juntar os dois animais, conhecemos um pouco da rotina dessa família mongol que vive em tendas móveis - até aconchegantes - longe da tecnologia (um radinho de pilhas é o máximo que possuem) e arraigada a tradições milenares. Ao intercalar essas situações, os diretores de "Camelos também choram" constróem um filme simples, autêntico e - por isso mesmo - tocante e envolvente. Quem tiver paciência de acompanhar o desenrolar tranqüilo dos 87 minutos dessa produção entenderá o que estou tentando descrever.


"Grandes esperanças"

(Great expectations, 1946 - David Lean)
Enquanto o mundo se entediava com o jogo Brasil X Croácia, eu estava assistindo a "Grandes esperanças" (nenhum trocadilho com a situação da Seleção Canarinho na Copa do Mundo). No filme, Pip é um menino pobre que se apaixona por Estella, filha adotiva de uma senhora excêntrica que - tendo sido abandonada no altar - vive reclusa e amargurada no seu casarão. A garota é educada para seduzir os homens e desprezá-los, como uma forma de vingar o infortúnio da mãe. Um dia, o menino - que sonha se tornar um cavalheiro para poder lutar pelo amor que sente - recebe uma proposta de ir morar em Londres: terá suas despesas pagas por uma pessoa que prefere ficar no anonimato. David Lean consegue tecer sua história (baseada em Dickens) com maestria, envolvendo o expectador nos sonhos de Pip e nas artimanhas de Estella. Pena que a origem do dinheiro que muda a vida do garoto humilde não seja explicada e que a reviravolta final seja muito abrupta e - conseqüentemente - pouco crível.

junho 12, 2006

"Caché"

(Caché, 2005 - Michael Haneke)
"Caché" já começa magnífico: câmera parada mostra a frente de uma casa por vários minutos. Quando a impaciência dá sinal de aparecer, damo-nos conta de que estamos compartilhando com os donos da casa filmada aquelas mesmas imagens, uma vez que eles estão assistindo a uma fita que receberam anonimamente. O que - num primeiro momento - parece uma brincadeira, começa a preocupar a partir do instante em que uma outra fita, registrando a mesma cena, chega acompanhada de um desenho macabro. A vida pacata do casal começa estremecer. Não entendem o que aquilo quer dizer, mas sentem-se ameaçados, temem por si e pelo filho. Para desvendar o mistério, não poderão contar com a polícia francesa, visto que o fato de receberem fitas com aquele conteúdo não constitui crime algum. O esposo mostra-se cada dia mais perturbado e distante, como se escondesse algo, o que deixa a esposa intrigada, frustrada, decepcionada. Fica nítido que a relação deles não vai bem: nunca os vemos trocar palavras de conforto, um abraço, um carinho sequer. Haneke filma um grande suspense a partir de um drama. Bastam alguns minutos de projeção para que sejamos fisgados pela trama que envolve culpa, mentira, desconfiança e medo. Dali até o final, olhos e ouvidos atentos a todo e qualquer movimento ou barulho. Inicialmente, somos cúmplices da agonia daquela família; depois, já somos detetives sedentos de justiça. Por não entregar respostas fáceis, o filme tem seus detratores entre as pessoas que entram na sala esperando tudo mastigadinho. Mas a grandeza de "Caché" ("escondido" em francês) encontra-se exatamente no que não é revelado com todas as letras. Está tudo lá (o passado do protagonista, o casamento frio, o pré-adolescente rebelde, a culpa, a falta de confiança, a xenofobia...) formando um mosaico interessante - mas assustador - da natureza humana. Em tempo: Juliette Binoche e Daniel Auteuil estão brilhantes, em atuações dignas de todos os créditos.

junho 09, 2006

"Betty Blue"

(37º2 le matin, 1986 - Jean-Jacques Beineix)
Este post é para reparar uma das injustiças da Liga dos Blogues Cinematográficos, que não colocou esse filmão nem entre os 50 melhores da década de 80. "Betty Blue" marca a estréia arrebatadora de Béatrice Dalle no cinema e recebeu indicações de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro, no Oscar e no BAFTA de 1987. Betty é uma moça desequilibrada que, por acreditar no talento do namorado Zorg (Jean-Hugues Angland) como escritor, não admite que ele siga cuidando de bangalôs numa praia do sul da França ou trabalhando como garçom em Paris. O problema é que a realidade vai perdendo o foco para Betty. Cada vez que um editor recusa os escritos do seu amado, ela fica mais transtornada. E nem mesmo o amor compartilhado com Zorg consegue resgatá-la do mundo que só existe na cabeça dela. Obsessiva e possessiva, a moça vai transformando o relacionamento num inferno. Apesar de deprimente, esse filme é maravilhoso, com atuações estupendas (inclusive nas cenas de sexo) de Dalle e Angland, fotografia e trilha belíssimas, além da direção competente do genial Beineix (que anda sumido e tem outras obras interessantíssimas no currículo: "Diva", "A lua na sarjeta" e "Roseline e os leões"). Para quem não conhece "Betty Blue", vale a pena ver; quanto aos que se esqueceram dele, que tal reassistir?

junho 01, 2006

"Missão Impossível 3"

(Mission: Impossible III, 2006 - J.J.Abrams)
Ethan Hunt está mais quieto, treinando agentes para as "missões impossíveis" ao invés de executá-las ele mesmo. O motivo? Está apaixonado e vai se casar. Seu plano dá certo até que uma de suas melhores "alunas" cai numa emboscada e ele é chamado para resgatá-la. A partir de então, ele se envolve com uma história de tráfico de armamentos, provocando a ira do vilão que - em troca de uma ultra-secreta arma chamada "Pé de Coelho" - promete deixar a noiva do mocinho em paz. O filme começa com uma seqüência espetacular, de muita tensão, ganhando o espectador já naquele momento. Vem um corte e somos levados para uma festa de noivado que aconteceu vários dias antes. Estamos preparados, pois, para assistir a partir dali tudo o que vai levar àquele desfecho mostrado no início. O diretor Abrams conseguiu humanizar o personagem de Cruise sem abrir mão das inúmeras e mirabolantes cenas de ação. Seymour Hoffman constrói um antagonista estupendo, tanto pela inteligência e loucura quanto pela audácia e frieza. O resultado? "MI-3" prende a atenção do início ao fim e supera os dois trabalhos que o antecederam.