novembro 29, 2007

"O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford"

(The assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, 2007 - Andrew Dominik)
Ao entregar já no título o que poderia ser o mistério da história, o diretor neozelandês faz um filme onde o foco está muito mais na construção dos personagens do que na ação propriamente dita. Assim, ao longo de duas horas e meia, acompanhamos o duelo velado entre o bandido-herói e seu algoz. A história se passa no final do século XIX, quando Jesse James - aos 34 anos - já tornara-se um mito, com seus delitos narrados em libretos. Bob Ford é um garoto de 19 anos cujo sonho é fazer parte do bando de James, que àquela altura planejava um último assalto antes da aposentadoria. Uma ligação de afeto e desconfiança se estabelece imediatamente entre os dois. E é exatamente sobre essa antítese sentimental que o filme vai construindo todo seu suspense. Jesse James não é um herói tradicional, 100% mocinho. Sua cabeça está a prêmio. Ele desconfia da própria sombra. É violento e - algumas vezes - injusto. Robert Ford é o fã que quer ser igual ao seu ídolo. Aliás, quer mais: quer se tornar o próprio objeto de sua veneração. Brad Pitt já levou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza. E não é preciso mais do que 30 minutos de projeção para entender porquê: do bandido justiceiro ao pai de família devotado, uma série de emoções - que vão da frieza e contenção à loucura e explosão - acompanha e enriquece seu personagem. E o ator soube trazer à tona cada uma delas de maneira memoravelmente cativante. Para isso, teve um parceiro à altura: Casey Affleck consegue impregnar seu Bob Ford de uma ambigüidade moral que incomoda desde a primeira cena. Até passar de adorador a assassino, vai criando um antagonista visivelmente instável, enquanto sonha virar herói. E o faz não por bravura, mas por medo. É esse o fantasma que irá acompanhá-lo até a morte. "O assassinato de Jesse James..." é repleto de plano e contra-plano, como pede o embate emocional desenhado pelo roteiro. E seu ritmo é deliciosamente lento, dando tempo para que a platéia possa "degustar" toda a nuance de sentimentos revelada em cada cena. A narração em off é utilizada de maneira inteligente e inusitada, antecipando o que irá acontecer. E sempre que esse recurso aparece, o diretor opta por distorcer a imagem, ficando nítido o centro da tela e borradas as laterais, traduzindo assim sua maneira de contar a saga de Jesse James: foco apenas nos conflitos interiores, como se tudo o mais que acontece ao redor (quase) não importasse.

novembro 27, 2007

"Propriedade privada"

(Nue propriété, 2006 - Joachim Lafosse)
A maneira desrespeitosa com que um dos filhos se refere à mãe, na primeira cena de "Propriedade Privada", já entrega o caos emocional em que vive aquela família. Divorciada há 15 anos, Pascale (Isabelle Huppet em mais uma soberba interpretação) mora com dois filhos já bem grandinhos, mas dependentes e imaturos. Quando a mãe resolve que deve vender a casa para dar uma quinada na vida em busca da própria felicidade, os pimpolhos (interpretados pelos irmãos Jérémie - de “A criança”, já comentado aqui - e Yannick Rénier) se vêem perdendo o teto e o bom senso. François tenta entender e até se encaixar nessa nova realidade. Já Thierry parte para o confronto. A partir desse ponto, vemos o tamanho do abismo em que se encontram aquelas relações e vamos conhecendo melhor cada integrante dessa rede de angústias e conflitos. Se dentro de casa, a luz é pouca; tampouco temos fora dela uma atmosfera ensolarada, o que também contribui para deixar o espectador um tanto sufocado diante do clima tenso que vai-se delineando ao longo dessa história de ruptura e explosão iminente. Aliás, a ausência de trilha sonora (a não ser no finalzinho) parece ser outra opção para não dar alívio nenhum à platéia. Se - como já foi dito - Huppert arrebenta na composição dessa mãe distante, muitas vezes omissa, os Rénier também constroem muito bem suas personagens, com brincadeiras e brigas que nos lembram os irmãos bíblicos Caim e Abel. Aliás, todo o elenco - enxuto e absurdamente entrosado - merece reverência. "Propriedade Privada" é um filme cuja contenção de planos, diálogos, luz e som só contribui para desnudar o conflito que oprime seus protagonistas.