dezembro 07, 2007

"No vale das sombras"

(In the valley of Elah, 2007 - Paul Haggis)
Na sua segunda investida como diretor, Haggis volta as lentes para a sociedade americana e a guerra do Iraque. Tommy Lee Jones - numa interpretação contida e serena - é um militar aposentado que se orgulha do seu país, do seu governo e do exército norte-americano... até o dia em que seu filho - que lutara no Golfo - desaparece e é considerado um desertor. Como ele não acredita nessa hipótese, parte em busca da verdade, confrontando militares, investigadores e colegas do jovem combatente. Nesse percurso lento e doloroso pelo passado recente do filho, o pai vai mergulhando na realidade crua, dilacerante e nada gloriosa das guerras, cheia de medos, mentiras, traumas e descasos. As verdades que vão sendo reveladas mostram as feridas abertas com que os cidadãos norte-americanos têm convivido desde os atentados de 11 de setembro. E em "No vale das sombras", Haggis coloca-se como porta-voz desse sentimento. A cena final (que poderia ser bem mais impactante se não tivesse uma outra quase idêntica no começo do filme) é um evidente pedido de socorro.

"Os donos da noite"

(We own the night, 2007 - James Gray)
O filme começa. Uma sequência de fotos em preto-e-branco mostrando ações policiais passam pela tela, sem nenhum som. De repente, um corte para a exuberante Amada Juarez (Eva Mendes) masturbando-se para o namorado (Joaquin Phoenix), com todas as cores e ao som de um clássico das discotecas dos anos 80. Que mudança! E olha que essa nem vai ser a mais surpreendente de "Os donos da noite". Phoenix é Bobby, um cara que sabe curtir a vida. Ele dirige um badalado nightclub no Bronx, ponto de tráfico dominado pela máfia russa, cujo chefão o trata como "filho". Fora isso, ele tem irmão (Mark Wahlberg) e pai (Robert Duvall) que são membros do alto escalão da polícia novaiorquina. Já deu para ver que o reencontro familiar será questão de tempo, né? Se você estranhou o fato de um queridinho dos mafiosos ser parente próximo de combatentes do narcotráfico, isso parece não ter incomodado o roteirista e diretor James Gray. (Primeiro deslize). Mas se você engolir isso (e eu aconselho que o faça), vai assistir - até por volta dos 20 minutos finais - a um thriller policial espetacular, com situações envolventes e convincentes, num jogo de gato-e-rato cheio de surpresas, onde felinos e roedores são igualmente inteligentes e audaciosos. É tensão verdadeiramente crescente e sufocante até o final da sessão (e isso não é pouca coisa não!). A cena da perseguição nas ruas da cidade sob chuva torrencial é fantástica. O segundo deslize vem exatamente nas últimas cenas (conforme mencionado anteriormente), quando tudo descamba para um dramalhão bobo, com soluções fáceis (o embate entre bandido e mocinho no capinzal é frustrante) e mensagens edificantes. Ainda assim, vale a pena ver.

dezembro 05, 2007

"Medos privados em lugares públicos"

(Coeurs, 2006 - Alain Resnais)
O amor é particular e reservado, só quem tem o sentimento no peito sabe o que verdadeiramente se passa. Já o relacionamento é coletivo, entrega-se - no mínimo para outra pessoa - o que somos e sentimos. Talvez por isso, circulando entre personagens maravilhosos, bem construídos e interpretados por um elenco espetacular (com Sabine Azéma à frente), quem se destaca mesmo no filme é a neve, que cai incessantemente sobre uma Paris dos dias atuais. Nós vemos os flocos brancos já na panorâmica inicial e - até mesmo - dentro de casa. E eles simbolizam muito bem o frio que ronda todas as situações dessa história de solidão. "Medos privados em lugares públicos" não é outra coisa senão a busca constante por companhia. Assim, temos Lionel (o garçom do bar de um grande hotel) que conversa todas as noites com Dan (um cliente desempregado) que está saindo com Gaelle (uma solteirona que marca encontros através de classificados de jornal) que mora com o irmão mais velho Thierry (corretor de imóveis que não consegue encontrar - para a cliente Nicole - o apartamento ideal) que é apaixonado por Charlotte (secretária da imobiliária e senhora muito religiosa) que cuida de um idoso doente que é pai do garçom solitário do início dessa ciranda. A teia de sentimentos com que Alain Resnais trabalha é vasta e nos envolve completamente ao longo de 2 horas que não vemos passar. É como se ele colocasse todos os personagens num labirinto (aquele plano do alto, com Nicole e Thierry "descobrindo" o apartamento reforça bem essa sensação). E todos parecem perdidos, no meio de seus segredos e frustrações, sem saber que caminho tomar, e sempre separados do outro por barreiras físicas - já não bastassem as emocionais: divisórias, cortinas, paredes, grade, folhas de jornal... A própria neve parece um véu a esconder o outro lado da rua, a congelar a possibilidades de entrega e calor. E até mesmo quando tentam romper os bloqueios, os personagens se escondem atrás de apelidos, de desculpas, de fantasias eróticas, de fotografias... Nada mais do que o medo de se expor, o medo do outro.

"A vida dos outros"

(Das leben der anderen, 2006 - Florian Henckel von Donnersmarck)
A história se passa pouco antes da queda do Muro de Berlim. Wiesler (Ulrich Mühe) é um agente da Stasi - polícia política da República Democrática Alemã - e professor da Escola de Segurança do Estado. Aliás, o filme começa com uma demonstração de como arrancar a confissão de um suspeito. Seu método deixa indignado até os próprios alunos. O clima na Alemanha Oriental é de perseguição aos traidores do regime. Wiesler desconfia, inclusive, de Georg Dreyman, o único dramaturgo não-subversivo da RDA. A partir de uma insinuação do Ministro da Cultura (cujos interesses ficam claros no decorrer da projeção), o agente começa a espionagem, com grampos e escutas espalhados pelo apartamento do escritor. E relatórios minuto-a-minuto de todos os encontros e conversas. Naquele universo fértil de amizades, amor, desejos, música e literatura, Wiesler encontra bem mais do que procurava. Tal descoberta deixa a investigação ainda mais complicada, fazendo com que o espião repense sua conduta e estratégia. Talvez essa mudança seja o único "senão" de "A vida dos outros". E se ela não chega a convencer, contribui - por outro lado - para elevar a intensidade das emoções na segunda metade do filme, cheia de suspense e surpresas. A atuação de todo o elenco é - sem exceção - muito boa. Mas - justiça seja feita - Ulrich Mühe consegue se destacar, com uma interpretação contida - sofrida até - do agente que descobre o que não devia. Preste atenção na expressão dele com um livro de Bertold Bretch nas mãos e - claro - na cena da livraria.

dezembro 03, 2007

"O último concerto de rock"

(The last waltz, 1978 - Martin Scorsese)
São Francisco, 1976. Após 16 anos de sucesso, os integrantes da "The Band" decidem encerrar a gloriosa carreira da banda com um show de despedida no dia de Ação de Graças. Poderia ter sido um simples adeus, mas virou uma celebração quando os músicos resolveram convidar um grupo de artistas para cantar com eles e - ninguém menos que - Martin Scorsese para fazer o registro. O diretor norte-americano vinha do bem-sucedido "Taxi Driver" e estava realizando "New York , New York". Aceitou o convite. O tempo para a produção era curtíssimo e a grana mais ainda. Scorsese conseguiu - com um amigo produtor - parte do cenário da ópera "La Traviata", trabalhou com poucas câmeras e utilizou a luz com parcimônia e criatividade. O diretor sugeriu a inserção de pequenas entrevistas entre as canções. Com os depoimentos de Robbie Robertson, Rick Dango, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel, o filme ganhava uma história e Scorsese criava seu documentário - aparecendo, inclusive, em muitas cenas. Entre as estrelas que dividiram o palco com os anfitriões estavam - para citar apenas algumas - Joni Mitchell, Bob Dylan, Neil Young, Emmylou Harris (sim, ela mesma, a intérprete da canção "A love that will never grow old", da trilha de "Brobeback Mountain"), Ringo Starr, Staple Singers e Muddy Waters. Aliás, por pouco as imagens dessa lenda do blues não ficaram de fora. Como o show era extenso (7 horas) e a quantidade de rolos de filme reduzida, as câmeras tinham de ser desligadas de tempos em tempos, até mesmo para dar um descando para os seus operadores. Quando Scorsese percebeu a maravilha que estava perdendo, ordenou que todos os cinegrafistas voltassem a postos. Mas até se posicionarem outra vez, a canção "Manish boy" já estava quase no fim. Por sorte, um dos cinegrafistas não tinha interrompido suas filmagens (observe que a performance de Waters é mostrada praticamente a partir de um só ângulo). Essas e outras curiosidades estão nos comentários. Não dá para dizer mais: veja o filme e curta o show (não necessariamente nessa ordem).