junho 01, 2008

"Estômago"

(Estômago, 2007 - Marcos Jorge)
A história do cinema é rica em filmes que têm a arte da gastronomia como principal tempero para seus enredos. Do macabro “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante (Peter Greenaway, 1989)” ao fantasioso “Como água para chocolate (Alfonso Arau, 1992)”, do cômico “Ratatouille (Brad Bird, 2007)” ao comovente “A festa de Babette (Gabriel Axel, 1987), a lista é extensa e de conteúdo bem variado para satisfazer todos os gostos. “Estômago”, a estréia em longa-metragens do diretor Marcos Jorge, mistura elementos de todas essas películas para abordar a influência nefasta do poder sobre a alma humana.
O filme conta a história de Raimundo Nonato (João Miguel em mais um grande momento), nordestino que chega faminto à cidade grande com a esperança de mudar de vida. Ele traz do sertão a ingenuidade de quem busca companheirismo e solidariedade. Encontra maus-tratos e exploração. Sem saída, aceita trabalhar num botequim de quinta a troco da alimentação e de um quartinho imundo para dormir. Mas ali descobre seu dom: começa fazendo coxinha de frango e, pouco tempo depois, já é aprendiz de chef em um restaurante italiano.
No entanto, não é só de fome de comida que o filme trata. Tem apetite sexual de sobra na história. E aqui há que se abrir um parêntese para a atuação de Fabiula Nascimento na pele da garota de programa Íria, que está sempre mastigando, gerando situações inacreditavelmente cômicas, bem como a sede de vingança que colocará o inocente Nonato na cadeia. Confinado, ele adota o nome de Alecrim (erva com a qual faz verdadeiros milagres) e vai descobrir que naquela cela também existe humilhação e, principalmente, hierarquia. O que vemos a partir de então é o resultado de uma edição inteligente, que vai e volta no tempo, aproveitando muito bem os elementos cênicos e narrativos que permitem ligar as distintas histórias do personagem (antes e depois da prisão) até chegar aos desfechos idênticos, com a conquista de prestígio, ascensão e poder.
A transformação é mesmo a tônica de “Estômago”, seja ela referente aos alimentos ou às pessoas. E é a composição de João Miguel para o humilde nordestino com pretensões gastronômicas que confere aquela pitada criativa, capaz de fazer um prato saboroso e requintado a partir da combinação de ingredientes triviais . Quem assistiu a qualquer um dos seus filmes – como “Cinema, aspirinas e urubus” ou “O céu de Suely” – sabe ao que estou me referindo. Na fala dele, o texto ganha melodia, cadência e há graça em praticamente todas as cenas. Tal artimanha acaba conquistando o público que, quando menos percebe, já está aplaudindo a vitória da corrupção do bandido Alecrim sobre a integridade do cozinheiro Nonato.

2 comentários:

Isabela disse...

Ouvi varias coisas boas sobre esse filme, mas ainda não tive a chance de conferir.

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Isabela,
pois não deixe de ver assim que puder. Vale a pena mesmo.
Abração e obrigado pela visita.