março 14, 2008

"Estamos bem mesmo sem você"

(Anche libero va bene, 2006 - Kim Rossi Stuart)
No futebol, líbero é um zagueiro que, sem marcar especialmente nenhum adversário, tem por função aproveitar as ocasionais sobras de disputas de bola ou cobrir as eventuais falhas dos seus companheiros. E é nessa posição que se encaixa perfeitamente o pequeno Tommaso (Alessandro Morace em brilhante estréia) dentro do jogo desequilibrado de perdas e danos em que vive com o pai e a irmã mais velha.
Abandonados pela mãe, eles tentam tocar o barco familiar. O problema é que o mar em que navegam nunca está tranqüilo. O pai tenta suprir todas as lacunas - emocionais e caseiras - e está quase sempre à beira de um ataque de nervos. E os filhos, cheios de responsabilidades e cobranças, são apenas crianças tentando assumir uma postura adulta, o que acaba resultando em insegurança, medos, inconseqüência e desilusões...
O grande problema é que todas as vezes em que as coisas estão ficando mais calmas, a mãe retorna. E o marido - que cobra uma postura de vencedor, principalmente do filho - sempre cede. A fraqueza dele passa a ser co-responsável pelo caos emocional de todos, não ficando o papel de vilão apenas para a esposa desnaturada. Ao brincar de reestruturar o lar (porque ambos sabem que a reaproximação não vai durar), eles acabam abrindo mais feridas ao invés de cicatrizar as já existentes.
Num dos momentos mais tocantes de "Estamos bem mesmo sem você", Tommaso - que sonha ser jogador de futebol - se expõe deliberadamente ao fracasso, durante uma competição de natação, para mostrar que não quer mais saber daquele esporte. Ver o filho como um derrotado reforça um sentimento que o pai se recusa a enxergar em si mesmo, gerando mais briga, rancor e intolerância.
Mas passados alguns dias, é esse "basta!" do garoto que traz a reflexão e a possibilidade de harmonia para dentro de casa outra vez. Porque o fantasma da mãe-que-sempre-volta-para-tornar-a-ir-embora ainda irá assombrar, como revela a a última e mais emocionante cena do filme, protagonizada por Alessandro Morace, que é - sem sombra de dúvida - a estrela desse primeiro longa de Stuart, impregnando veracidade à montanha-russa de emoções do seu personagem. E olha que o núcleo de atores que compõe a família destroçada (Kim Rossi Stuart/pai, Barbora Bobulova/mãe e Marta Nobili/irmã) é praticamente impecável.
É curiosa a maneira como a fotografia realça a confusão de sentimentos que envolve toda a história. Quando a mãe está ausente e os abandonados parecem (muito) bem, ao tentar reconstruir suas vidas, são as sombras e penumbras que predominam. No entanto, a película se enche de cor e luz com o retorno da figura materna, apesar de toda a instabilidade, incerteza e angústia que ela traz consigo.