janeiro 09, 2006

"Mar adentro"

(Mar adentro, 2004 - Alejandro Amenábar)
Sábado passado, reassisti a "Mar adentro" com um grupo de amigos. E o filme passou no teste. Eu tinha visto no cinema e - devo confessar - que ele me emocionou tanto quanto (ou mais que) a primeira vez. Rever esse Amenábar me fez confirmar tudo o que já tinha escrito anteriormente sobre ele, com uma ressalva: a atuação de Mabel Rivera - a cunhada Manuela - me ganhou ainda mais nessa revisão. Conclusão: o filme segue firme como um dos destaques de 2005.
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MAR ADENTRO
Abordar a história de um tetraplégico que deseja morrer parece um argumento perfeito para arrancar lágrimas da platéia. Não para Alejandro Amenábar. É claro que o choro vem, mas somente depois de se abrir os olhos para a realidade de uma vida vazia, separada do seu sentimento mais valioso: a liberdade.
É assim que "Mar adentro" nos apresenta Ramón Sampedro: um ex-marinheiro (que já viajara pelo mundo todo) preso a sua cama após fraturar o pescoço num mergulho, dependente da família para absolutamente tudo. Sua noção do que significa viver é tão ampla que ele sempre se recusou a utilizar uma cadeira de rodas, já que isso seria uma migalha para quem foi tão livre. E não interessa se a decisão de acabar com a própria vida está certa ou não... O que o diretor quer é que entendamos os motivos que levam a uma decisão tão extrema.
Quando o filme começa, Ramón já luta há 26 anos pelo direito à eutanásia. Lê, ouve suas músicas e escreve com a ajuda de uma geringonça que inventou. É cercado de carinho por todos os lados. Mora com o pai, o irmão, a cunhada e sobrinho; é amado por uma radialista e pela advogada que abraça sua causa; e ainda tem a ativista do grupo "Morrer com dignidade" como grande amiga.
É exatamente ao mostrar um homem envolvido por tão nobres sentimentos que essa história ganha força. Para quem acha que o amor é tudo, aqui o desejo de liberdade revela-se maior. O conflito instala-se em cada um (dos personagens e dos espectadores) porque em "Mar adentro" amar significa matar. E por mais que se entendam os motivos, é sobre-humano conciliar tamanho paradoxo. Por isso, o filme mexe tanto com as emoções de quem o assiste.
É preciso ressaltar a interpretação de Javier Bardem, excelente ator, num dos seus melhores momentos no cinema (e olha que ele tem muita coisa boa no currículo). Aliás, para ser mais justo, deve-se destacar o trabalho do elenco, todo ele maravilhoso, sem exceção. É difícil chamar a atenção de uma atuação em detrimento das outras, mas vou correr o risco e citar os nomes de Mabel Rivera (a cunhada), espetacular pelo que seu silêncio tem de eloqüência; de Belén Rueda (a advogada) e de Lola Dueñas (a radialista).
Amenábar revela-se um diretor sensível e competente, trabalhando a emoção dos atores no limite, sem jamais forçar a barra; sem falar dos planos, enquadramentos e movimentos de câmera que – se conferem dinamismo ao filme – mostram também que o espaço do quarto de Ramón é muito pequeno para todos os seus sonhos.
São muitas as cenas desconcertantes e bem fotografadas. Vou citar duas delas por revelarem a importância que a liberdade tem para o ex-marinheiro. Na primeira, ele se vê levantando da cama, mudando-a de lugar para criar um corredor até a janela, por onde salta, ganhando o céu num vôo estonteante até a praia. Na outra, ele conta um sonho, descrevendo cada movimento de um prelúdio amoroso. Elas dizem tanto das coisas que ele gostaria de ter, que seu desejo maior passa a nos parecer justo. No final de "Mar adentro", é impossível não estar emocionado. Poucas vezes, a vontade de morrer traduziu-se num tributo à vida de maneira tão tocante e intensa.

Um comentário:

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

É, Nuno, acho que não vamos concordar mesmo (e isso não é ruim não, viu?) em relação ao "Mar adentro". Javier está estupendo, mas para mim o filme é muito mais que ele. Abração.