maio 26, 2008

Demas no SRZD 3

"Estômago": a doce sedução do sabor do poder
Ele é um nordestino humilde e trabalhador em busca da sobrevivência na cidade grande. Parece muito clichê? Ao assistir a "Estômago", você vai perceber que o filme de Marcos Jorge vai muito além disso, dissecando a gênese do poder e o seu lado mais perverso. Para mais detalhes, clique aqui.

"Um beijo roubado"

(My blueberry nights, 2007 - Wong Kar-Wai)
Em trabalhos recentes, como “Amor à flor da pele (2000)” e “2046 - Os segredos do amor (2004)”, Wong Kar-Wai abordou as desilusões amorosas. No primeiro filme, elas são impostas pelas rígidas convenções sociais que pesam sobre a união de um casal de amantes na Hong Kong dos anos 1960. No segundo, o amor não se consuma porque o personagem está, na verdade, atrás de uma mulher do passado. Mas com “Um beijo roubado”, seu primeiro filme com atores não-chineses e todo falado em inglês, o diretor acena para a possibilidade de um desfecho diferente.
A história começa num café em Nova York, onde Elizabeth (boa estréia da cantora Norah Jones como atriz) chega em busca de informações sobre o namorado, freqüentador do local. Certa de que seu romance chegou ao fim, ela deixa as chaves do apartamento com Jeremy (Jude Law), proprietário do estabelecimento, para que sejam devolvidas ao ex. No entanto, a moça acaba retornando ao café todas as noites. Conversa vai, conversa vem, uma torta daqui, uma bebida dali, um vínculo se estabelece entre Elizabeth e Jeremy. Ainda assim, ela decide partir sem destino certo, percorrendo o interior do país enquanto descobre as estradas recônditas de sua própria alma. De cidade em cidade, vai trabalhando como garçonete, conhece outras histórias de solidão e prepara o caminho de volta para a alegria e os novos sonhos.
Por se transformar numa espécie de road-movie na sua segunda metade, “Um beijo roubado” abandona os ambientes fechados e opressores, comuns ao trabalho de Kar-Wai, e nos entrega a amplidão das paisagens desérticas dos EUA. Porém, as demais características do cinema do diretor estão todas lá: as cores fortes, as câmeras lentas, as canções apaixonadas e as belas mulheres. Nesse último quesito, se você reparar bem, verá traços de semelhança nos rostos das personagens de Norah Jones, Natalie Portman e Rachel Weisz, como se essa escolha de elenco estivesse nos dizendo que na dor somos todos (quase) iguais. E por falar em Rachel Weisz, ela nunca esteve tão deslumbrantemente sedutora como nesse papel da ex-esposa de um policial alcoólatra, vivido com brilhantismo pelo ator David Strathairn. Com certeza, a história dos dois é a parte mais (in)tensa do filme.
Mas é dentro do charmoso café nova-iorquino que se encontram os muitos elementos metafóricos que enriquecem o roteiro de “Um beijo roubado” e aguçam os sentidos de quem busca as delicadezes e sutilezas da obra de Wong Kar-Wai: a torta de blueberry intocada à espera de quem queira descobrir seu sabor; as chaves deixadas pelos amantes abandonados; as portas que não podem seguir trancadas para sempre; a câmera de segurança cujos registros servem para proteger sim, mas da solidão...
E eu não poderia terminar esse texto sem falar do tal roubo descrito no título do filme. Ainda que ele aconteça na primeira metade da película, o cineasta nos reserva os instantes finais para revelar o significado e as consequências daquele beijo, que já entrou para a galeria dos mais belos e criativos de todos os tempos. Quer ver outra grande decisão do diretor? Eu já dava como certo que a interpretação encantadora de Otis Redding para “Try a little tenderness”, que pontua boa parte da película, encheria a sala no exato momento em que os lábios se tocassem. Ledo engano! É o silêncio absoluto que entra em cena, deixando ainda mais inesquecível aquela promessa de felicidade.

maio 20, 2008

Demas no SRZD 2

Rachel Weisz: a musa de "Um beijo roubado"
A história é muito boa, a trilha sonora é espetacular, o elenco está afiadíssimo com o espírito kar-waiano de filmar... Tudo funciona bem, mas o filme é - sem sombra de dúvida - da coadjuvante Rachel Weisz, linda como nunca antes, defendendo uma personagem amargurada pelo término de um relacionamento que parece não ter fim. Quer saber mais sobre "Um beijo roubado"? É só clicar aqui.

"Sicko - $O$ Saúde"

(Sicko, 2007 - Michael Moore)
Costuma-se dizer que os filmes de Michael Moore são falsos documentários, por causa do caráter manipulador do diretor. Para mim, o que interessa é que ele toca na ferida e faz o público pensar bastante sobre os temas abordados. Foi assim com “Tiros em Columbine”, sobre a obsessão dos cidadãos norte-americanos por armas de fogo, mostrando – dentre outras coisas – a facilidade de adquiri-las, bastando chegar na loja, pedir o modelo desejado, pagar e sair. Algo tão simples como comprar uma camiseta.
Agora, em “Sicko - $O$ Saúde”, ele aponta sua câmera para a máfia dos planos de saúde na Terra do Tio Sam, com seus valores altíssimos (e inacessíveis para quase 50% da população) e restrições absurdas, incluindo pagamento de bônus aos médicos-peritos com percentual diretamente proporcional ao número de exames e procedimentos negados aos pacientes. Moore ilustra toda essa sordidez entrevistando um grupo de doentes americanos. Seus dramas beiram o absurdo.
A fim de incitar ainda mais o público e os "mafiosos empresários e políticos", o diretor resolve visitar países como Canadá, Inglaterra e França - tão capitalistas quanto os EUA - para entender seus sistemas de saúde socializada. O que vemos a partir de então é inacreditável: em todas essas nações, o paciente é (muito bem) atendido, qualquer que seja sua necessidade, sem encargo algum. Há inclusive casos em que o hospital paga até a passagem de volta para casa, quando o enfermo não tem condições financeiras de fazê-lo.
“Para cuidar assim do seu povo, então esses governantes não devem pagar seus profissionais de saúde a contento”, instiga Moore num dado momento, para em seguida mostrar o Astra e o sobrado de US$ 1 milhão de um dos médicos europeus. “Então, o gargalo está no cidadão, que deve pagar uma carga tributária monstruosa”, continua Moore. Qual o quê! A maior preocupação de um casal de classe média entrevistado é com o preço do pescado e com as viagens de férias(!). E as mamães francesas?! Além da licença-maternidade, elas ganham o auxílio de uma assistente (entenda-se babá, faxineira, cozinheira...), de 2 a 3 vezes por semana, com tudo pago... pelo governo.
Mas é na parte final que vem a alfinetada maior: o provocador Moore leva o grupo de americanos para ser examinado e tratado em Cuba. E mais não direi. A não ser que saí do cinema estarrecido, escandalizado e indignado com o caos da sáude norte-americana. Por quê? Porque qualquer semelhança com o que enfrentamos no Brasil não é mera coincidência.

maio 19, 2008

"Apenas uma vez"

(Once, 2006 - John Carney)
Na sua “Canção de protesto”, Caetano Veloso diz que “99 e um pouco mais por cento das músicas que existem são de amor”. Em “Apenas uma vez”, essa estatística chega a 100%. Isso mesmo: todas as canções do filme são de amor e não poderia ser diferente, uma vez que a proposta inicial do diretor e roteirista John Carney era fazer um longa-metragem onde as composições se encaixassem no roteiro para revelar as verdades dos seus personagens. Com isso, o público ganhou um musical que – se não possui o glamour associado ao gênero – tem uma trilha sonora arrebatadora, justamente por ser a alma da película.
Para conseguir realizar essa façanha com tamanho êxito, temos uma boa justificativa: foram chamados, para viver o casal de protagonistas, os músicos Glen Hansard e Markéta Irglová, que são responsáveis pela composição e/ou interpretação da maioria absoluta das canções ouvidas em “Apenas uma vez”. Ele já havia trabalhado com Alan Parker em “The Commitments – Loucos pela fama (1991)”e é vocalista da “The Frames”, banda de sucesso na Irlanda; ela – que tinha apenas 17 anos durante as gravações - é uma compositora e multiinstrumentista tcheca estreando como atriz. Na vida real, eles se conheceram quando Hansard fez uma viagem a Praga, onde tocaram juntos, o que rendeu a participação de Irglová no primeiro álbum solo dele e a indicação para interpretar a garota do filme.
Já em “Apenas uma vez”, o encontro se dá numa calçada de Dublin, onde uma jovem vendedora de flores – que aprendeu a tocar piano ainda pequena, incentivada pelo pai – é atraída pela apresentação de um cantor de rua. Imediatamente, uma afinidade se estabelece, até porque eles têm outra coisa em comum: o coração partido. É essa desilusão amorosa que alimenta as letras do músico. E é a intensidade dos sentimentos dele, revelada nas canções, que a pianista gostaria de ter encontrado no parceiro que a abandonou, quando ela resolveu deixar a República Tcheca para tentar a sorte na Irlanda. Está armado o cenário para que muitas emoções envolvam esses amantes abandonados.
Dali até o final do filme, as músicas se sucedem para revelar as histórias desses personagens, descrevendo seus medos e decepções, alegrias e sonhos, enquanto uma nova realidade vai sendo orquestrada por essa aproximação que promete mudar suas rotinas e vidas. Numa das cenas mais belas do longa, os dois vão até uma loja de instrumentos, onde ele mostra a letra de uma canção, seus acordes ao violão e a convida para acompanhá-lo no piano. É nesse momento que o público ouve “Falling slowly”, canção que levou o Oscar 2008. Impossível não se emocionar, o que acontece também durante a execução de “The hill”, composta pela garota e interpretada numa sala praticamente escura, como se assim ela pudesse ocultar o sofrimento que aquela canção carrega. O plano-sequência do final é igualmente espetacular: ah, se fosse possível decifrar aquele olhar atravessando a janela enquanto a câmera se distancia da cena...
Por representar mais da metade da duração do filme, a trilha sonora é, literalmente, a força-motriz de “Apenas uma vez”, uma produção de estrutura simples, baixo orçamento, com elenco pequeno e desconhecido. Ainda assim, John Carney reverteu a lógica, transformando pouco em muito, ao deixar que suas lentes registrassem uma história universal de descobertas, superação e gratidão, com um final tão delicado e verdadeiro quanto os sentimentos que transformaram dor e angústia em belíssimas canções.

maio 11, 2008

Você é o que você vê

Cena de "4 meses, 3 semanas e 2 dias": aborto em questão
Recentemente, o jornal O Popular (GO) publicou uma reportagem sobre a dissertação de mestrado do psicólogo Keynes Fortes, que procura estabelecer uma relação entre o gênero de filme e a personalidade de quem o assiste, algo assim bem traduzido pelo título da matéria: "Diga-me o que vês e... (eu direi quem tu és)". Fortes entrevistou mais de 900 espectadores, distribuindo suas características comportamentais em 15 categorias cinematográficas. A repórter Rute Guedes ouviu alguns cinéfilos que falaram sobre suas preferências e corroboraram a tese do psicólogo. E você, o que pensa disso? Se quiser saber mais, é só clicar nos links acima.

maio 09, 2008

Demas no SRZD

Trilha sonora é a alma de "Apenas uma vez"
A partir de hoje, estou com uma coluna semanal no site do jornalista Sidney Rezende. Assim, sempre às sextas-feiras, na editoria "Cultura", escreverei sobre algum filme que esteja em cartaz no país. Para começar, escolhi o musical "Apenas uma vez", vencedor do Oscar 2008 de canção original com a bela "Falling slowly". Para ler a crítica, clique aqui.
PS: Mas o Cine Dema(i)s seguirá seu ritmo normal, com mais comentários por aqui, a qualquer momento.