novembro 08, 2006

"Sob o efeito da água"

(Little fish, 2005 - Rowan Woods)
Cate Blanchett prova mais uma vez porque sua presença é garantia de coisa boa no cinema. Aqui, ela faz uma ex-dependente de heroína que - livre do vício há 4 anos - não consegue um empréstimo para ampliar a videolocadora em que trabalha: sua ficha suja - em função das loucuras cometidas no passado - lhe fecha todas as portas. Estar limpa não é um paraíso e qualquer um que (conheça alguém que) tenha passado por isso pode entender o inferno de solidão e frustração em que ela está mergulhada. E só para complicar um pouquinho mais as coisas, um antigo namorado traficante reaparece do nada, bem como o padrasto - um ex-jogador de futebol cuja dependência química a influenciara outrora. O emaranhar de todas essas situações cria uma teia densa e absurdamente real. Tudo o que vemos ali soa verdadeiro. E como tal, toca fundo. Apesar do tema pesado, "Sob o efeito da água" deve ser visto por todos aqueles que curtem um cinema bem feito, sem concessões, transbordando qualidade sob quaisquer prismas em que seja analisado.

"Transamérica"

(Transamerica, 2005 - Duncan Tucker)
A simples história de um gay que - prestes a conseguir a autorização para a cirurgia de mudança de sexo - descobre que é pai de um adolescente problemático já seria suficiente para fazer esse filme virar um sucesso de bilheteria. Mas a atuação espetacular de Felicity Huffman eleva sobremaneira o seu resultado final. Existem cenas bobas e improváveis sim. No entanto, o drama de alguém que - já tão perto de se "encontrar" - precisa provar para si mesmo que não está perdido outra vez é envolvente e arrebatador.

"Veias e vinhos"

(Veias e vinhos - Uma história brasileira, 2006 - J. B. de Andrade)
Um massacre ocorrido em Goiânia às vesperas do golpe militar de 1964 é o fio condutor desse filme - baseado na obra homônima do escritor goiano Miguel Jorge - que conta com atuações marcantes de Simone Spoladore e Leopoldo Pacheco. Uma certa tensão - retratada tanto pela fotografia em tons escuros quanto pelas interpretações contidas - permeia a história desde o início. E isso é um dos pontos positivos de "Veias e vinhos". É uma pena que a partir de certo momento, o diretor João Batista de Andrade não consiga fugir dos maneirismos e deixe o roteiro óbvio demais. Ainda assim, o fato de ter conseguido criar - e manter - uma atmosfera densa e pesada que transborda da tela para a sala de projeção merece crédito. O resultado final poderia ser melhor, mas tem seu valor.

"Trair e coçar é só começar"

(Trair e coçar é só começar, 2006 - Moacyr Góes)
A obra pode ter funcionado no teatro, mas na telona não se segurou não: tudo parece over. Arranca risadas? Claro! E isso por si só não é significado de qualidade ou mérito - vez ou outra, o Chaves e sua turma também me arrancam gargalhadas... Duro mesmo é chegar ao final do filme com aquela sensação de tempo perdido.

"A casa do lago"

(The Lake House, 2006 - Alejandro Agresti)
Esqueça a lógica e mergulhe nesse romance de corpo inteiro. Talvez seja preciso vencer - inicialmente - a resistência à dupla Keanu Reeves & Sandra Bullock: mas acredite, eles estão bem no filme. A idéia de duas pessoas estarem se correspondendo - apesar de viverem em tempos distintos, ele em 2004 e ela em 2006 - fica fascinante nas mãos do diretor Alejandro Agresti. Em comum, os apaixonados têm a casa do lago e uma vontade doida de achar uma maneira de se encontrarem. A delicadeza com que é retratado esse conto de amor ganha o público de cara - pelo menos aquelas pessoas que embarcam na magia de uma história bem contada.

setembro 28, 2006

"A dama na água"

(Lady in the water, 2006 – M. Night Shyamalan)
Esta estória que o diretor costumava contar para a filha e decidiu transformar em cinema é fantástica, tanto pela idéia quanto pela execução. Dar a uma menina - que mora nas águas de uma piscina de um condomínio de classe média - a missão de encontrar um escritor cujas idéias vão salvar o mundo é uma mistura de ousadia e coragem: se o expectador não mergulhar de cabeça nesse conto de fadas, não há como prendê-lo na cadeira até o final da projeção. Mas Shyamalan consegue. Com Paul Giamatti liderando um elenco afiadíssimo (sem exceção), “A dama na água” encanta com sua simbologia, desde a animação inicial até o desfecho arrebatador. Se a presença do diretor com um papel de destaque na trama (ao contrário de suas aparições hitchcockianas nas películas anteriores) irritou a crítica, a mim causou deleite: adorei a pretensa superioridade que ele permitiu a si mesmo. Não posso dar mais detalhes sob o risco de entregar uma grande surpresa. Ah, e a caracterização do personagem que interpreta o crítico literário é soberba e igualmente hilária. Somando-se todos os detalhes desta fábula, chega-se à conclusão óbvia: estamos diante de um grande filme de um grande diretor.

"Miami Vice"

(Miami Vice, 2006 – Michael Mann)
Não conheci a série de tv, mas parece que Mann quis colocar “miolos” onde só deveria ter diversão. A primeira hora é arrastada e a história só me ganhou realmente quando começaram as explosões e perseguições mirabolantes. Está certo que - em muitos momentos – os movimentos de câmera e a fotografia granulada agregam valor e beleza à linguagem do filme, mas ficam deslocados, como taças de champanhe francês para acompanhar um churrasquinho de gato.

"A prova"

(Proof, 2005 – John Madden)
É verdade que o filme lembra a idéia de “Uma mente brilhante”, mas o resultado vai além, com Gwyneth Paltrow, Anthony Hopkins, Jake Gyllenhaal e Hope Davis perfeitos em seus papéis. Hopkins é um gênio da matemática cuja esclerose pode ter inviabilizado a comprovação de uma grande teoria. Digo “pode” porque Gyllenhaal é o pupilo que vem freqüentando a casa do matemático após sua morte para estudar seus últimos escritos em busca de alguma descoberta que possa estar ali escondida. Em função disso, acaba por se aproximar de Paltrow, herdeira dos conhecimentos e – talvez – da doença do pai. Davis entra na história porque quer tirar a irmã daquela casa e levá-la para morar com ela. A explosão de conflitos e sentimentos que surgem dessas situações garantem o sucesso do filme. É impressionante como Paltrow consegue mergulhar no universo dessa filha perdida entre o amor e a loucura do pai, fazendo-nos acreditar em cada emoção da sua personagem. Para mim, uma grande e grata surpresa.

"A grande viagem"

(Le grand voyage, 2004 – Ismaël Ferroukhi)
O pai de uma família muçulmana que vive na França resolve cumprir a missão de ir à Meca. E opta por ir de carro, como uma maneira – inclusive – de se purificar para chegar à Terra Prometida. Um dos “poréns” dessa viagem é que ele não sabe dirigir, de maneira que seu filho caçula é quem deve levá-lo. No entanto, o moço – o mais ocidentalizado daquele núcleo familiar – não quer ir, não respeita os motivos e as idéias do pai e tem motivos fortes para permanecer na Europa: a conquista de uma vaga na universidade e a namorada. A viagem não é grande apenas pela distância a ser percorrida, mas principalmente pelo significado que terá para os dois. Boas atuações da dupla central. As imagens capturadas em Meca são impressionantes e dão uma noção exata do tamanho da devoção daquele povo.

agosto 28, 2006

"O homem-urso"

(Grizzly Man, 2005 - Werner Herzog)
140 horas de gravações durante 13 anos da vida de um ecologista (?) obcecado por proteger a vida dos ursos pardos do Alaska viraram um documentário interessantíssimo através do olhar de Herzog. Mais do que mostrar a luta ambiental, o diretor acaba por nos apresentar uma pessoa em busca de si mesmo, de um sentido para sua vida. Por sabermos do destino trágico que essa aventura significou para o protagonista, as cenas do seu contato com os ursos - logo no início do filme - converteram-se em pura tensão para mim. Ficava sempre pensando que o ataque seria naquele momento. Pontos para a montagem. No finalzinho, o filme parece se repetir um pouco - mas nada que tire o brilho da narrativa.

"Pergunte ao pó"

(Ask the dust, 2006 - Robert Towne)
Salma Hayek já havia me ganhado em "Frida", mas Collin Farell ainda não tinha me mostrado a que viera. Nesse filme, baseado no romance de John Fante, o moço surpreende ao fazer um escritor pobretão, em início de carreira, que tenta a sorte na Los Angeles do anos 30. A crise econômica que assola os Estados Unidos parece ter atingido também sua criatividade. Vivendo num quarto de hotel barato, a inspiração só se manifesta depois que ele conhece uma linda garçonete mexicana. Temos então dois personagens marginais que se unem, cada um buscando sua própria verdade, enfrentando medos, preconceitos, desconfianças para construir uma história, algo que seja mais do que papel e tinta. Algumas situações são óbvias, mas o resultado é bacana.

"Click"

(Click, 2006 - Frank Coraci)
Para mim, seria só um besteirol com um controle remoto universal no papel de protagonista e o Adam Sandler no de coadjuvante . Mas tem também a bela Kate Beckinsale, o competente Christopher Walken e o "hobbit" Sean Austin. Como não fui esperando nada além de umas boas risadas, saí no lucro. Porque uma guinada no ritmo do filme - que quase o transforma num dramalhão - me pegou de surpresa. Tá bom, não vai ser o filme da vida de ninguém, mas... me fez refletir um pouquinho sobre o que estou fazendo da minha.

agosto 16, 2006

"Promessas de um novo mundo"

(Promises, 2001 - Justine Arlin, Carlos Bolado e B.Z. Goldberg)
7 crianças, 7 ódios, 7 vidas distintas, 7 possibilidades, 1 encontro e 1 milhão de chances para a paz. "Promessa de um novo mundo" é um brilhante documentário sobre os conflitos entre palestinos e israelenses a partir do ponto de vista mirim. Os garotos repetem o discurso dos pais, cheio de rancor e desejos de vingança. Até que o diretor B.Z. propõe um encontro entre eles num campo de refugiados palestinos. Uns aceitam, outros não. O encontro é o grande momento do filme, um inusitado aceno para a paz, quando os meninos são apenas o que são: crianças brincando, lanchando, jogando futebol, sorrindo, falando, chorando... Seja pelo que revelam ou pelo que escondem, todas as cenas desse encontro são absurdamente tocantes. A da despedida, então... Já no finalzinho do filme, noutra seqüência forte, o diretor conversa com os garotos 2 anos depois: uns sonham com o reencontro; outros já perderam toda a esperança de paz e alguns estão ainda mais radicais. Quando subiram os créditos, eu já não conseguia ler nada.

agosto 08, 2006

"Zuzu Angel"

(Zuzu Angel, 2006 - Sérgio Rezende)
A história de uma mãe que enfrenta os militares no Brasil em busca do filho morto já dá um argumento e tanto. Mas o despertar dessa mulher para a realidade que fustigava o país não é menos interessante. De costureira e estilista famosa (com carreira internacional), ela transforma-se numa guerreira disposta a expor à luz o que escondem na escuridão dos porões da ditadura. Gostei das atuações de Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira. E "Zuzu Angel" tem - pelo menos - duas cenas memoráveis: uma em que a estilista surge de luto na passarela de um desfile exibindo a foto do filho desaparecido; outra em que ela procura um sapateiro para fazer um desabafo (o desfecho desse encontro é a prova de que uma imagem fala mais que muitas palavras). Detonaram muito a participação da Luana Piovanni no filme. Discordo. Talvez esperassem muito dela, afinal encarnar a Elke Maravilha é o sonho de muita atriz. Mas o roteiro não dá tanto destaque à personagem não. Desnecessário dizer que acompanhar os créditos ao som de "Angélica" - que Chico Buarque compôs para a protagonista - é outro momento emocionante.

"Violação de domicílio"

(Private, 2004 – Saverio Costanzo)
Família palestina tem sua casa invadida por soldados israelenses, que a transformam num QG, submetendo os moradores a regras e proibições absurdas. Expanda o universo desse filme - baseado em fatos reais - para fora dos limites daquele lar e fica mais fácil entender o absurdo desse conflito que está em todas as capas dos jornais atualmente. Impressionante, inquietante, provocador e imperdível.

"Simplesmente amor"

(Love actually, 2003 – Richard Curtis)
Já perdi a conta de quantas vezes vi esse filme. Tirando a história do primeiro ministro, todas as outras são primorosas (sendo que a do escritor e da empregada portuguesa é a que mais me toca; a da personagem de Emma Thompson também é espetacular: aquela cena em que ela sobe para o quarto após receber um cd da Joni Mitchell de presente de Natal é digna de prêmio). Mas vou me lembrando de tanta coisa bacana que seria injusto mencionar uma em detrimento da outra. Paro por aqui.

agosto 07, 2006

"Um dia para relembrar"

(Two bits, 1995 – James Foley)
Encontrei esse filme numa daquelas pilhas de dvd em promoção. Com Al Pacino no elenco e uma sinopse que - guardadas as devidas proporções - evocava o amor à sétima arte de "Cinema Paradiso", acabei levando-o para casa. É uma pequena fábula que mistura infância, amor e cinema numa história ingênua e encantadora.

agosto 04, 2006

"Superman - O retorno"

(Superman returns, 2006 – Bryan Singer)
Acho que encontraram o ator com o carisma do Reeves para encarnar o Homem de Aço. Quanto ao talento do rapaz, ainda é preciso ver outras coisas para me convencer. No entanto, esperava mais de Singer nesse retorno do Super-Homem: o hiato de 20 anos desde o último filme do herói de Krypton e a necessária apresentação dele para as novas gerações não justificam um roteiro tão insípido.

"O libertino"

(The libertine, 2004 – Laurence Dunmore)
O filme começa com um Johnny Depp surgindo da penumbra e enchendo a tela com a desfaçatez de seu personagem - um conde da corte inglesa do século XVII - que instiga o público a odiá-lo por suas falas e atitudes abjetas. Ele é um gênio literário, sedutor contumaz e provocador doentio, o que lhe rende prazeres e - claro! - muitas dores também.

"Amor, sublime amor"

(West side story, 1961) – Robert Wise & Jerome Robbins)
Um Romeu-&-Julieta com gangues de rua, colocando norte-americanos e latinos em campos opostos. Vencedor de inúmeras estatuetas do Oscar, continua prendendo a atenção. Adoro a seqüência de "America", cuja ironia da letra torna a coreografia ainda mais interessante. Temos Natalie Wood novinha e Rita Moreno como um verdadeiro furacão no filme, com interpretação e sex-appeal arrebatadores.

"Trinity é o meu nome"

(Lo chiamavano Trinità, 1970 – Enzo Barboni)
Reassistir a um filme que vi em tantas "sessões da tarde" foi legal. Corretíssimo dentro do universo do western spaghetti.

"Guerra e Paz"

(War and peace, 1956 – King Vidor)
Épico baseado em Tolstói com história instigante e elenco acertado. O filme gira em torno das relações e reações pessoais numa Rússia que luta para não perder seu território para Napoleão Bonaparte. Audrey Hepburn está deslumbrantemente linda.

"O diabo riu por último"

(Beat the devil, 1953 – John Huston)
Trapaças envolvendo terras ricas em urânio colocam 8 pessoas - de índoles bem duvidosas - num navio rumo à África. Filme mediano do grande Huston com Humphrey Bogart.

"As neves de Kilimanjaro"

(The snows of Kilimanjaro, 1952 – Henry King)
Gregory Peck pouco inspirado no papel de um escritor ferido no meio de um safári, relembrando seus amores e desilusões.

junho 23, 2006

"A festa de Babette"

(Babettes gæstebud, 1987 - Gabriel Axel)
Há duas semanas, escrevi sobre "Betty Blue" para corrigir uma das injustiças da Liga dos Blogues Cinematográficos ao não incluí-lo entre os - pelo menos - 50 melhores filmes dos anos 80. O post de hoje é para reparar outra grande falha. "A festa de Babette" - que ganhou Oscar e BAFTA de melhor filme estrangeiro e teve seu diretor premiado em Cannes - é daqueles filmes encantadores - uma fábula, quase, sobre um jantar que desperta sentimentos escondidos e revela outros tantos nunca imaginados pelos habitantes de um vilarejo na Dinamarca. Tal proesa é executada por Babette, a chefe de um famoso café pariense que busca refúgio naqueles confins ao fugir de perseguições políticas na França. Só que desses atributos culinários, suas "patroas" nem desconfiavam. Até o dia em que a oportunidade de sair daquele lugar bate à porta da "empregada". Mas ao invés de fazer isso, ela prefere oferecer a toda a comunidade um autêntico banquete francês. Os preparativos mexem com a rotina do lugar e a noite do jantar transforma a vida de todos os que se deixaram tocar pela magia daqueles pratos e sabores. Vi esse filme várias vezes e sempre chego ao final emocionado, como se as mudanças vivenciadas lá tivessem atingido a mim. Sem falar na vontade louca de sair correndo para o restaurante francês mais próximo.

junho 17, 2006

"Nascidos em bordéis"

(Born into brothels: Calcutta's Red Light kids, 2004 - Zana Briski & Ross Kauffman)
Embrenhada no bairro da Luz Vermelha, periferia da cidade de Calcutá, uma fotógrafa esbarra na triste realidade de crianças crescendo no meio da prostituição, das bebidas e das drogas, sem perspectivas de um futuro diferente. Para tentar mudar isso, ela oferece câmeras para um grupo de meninas e meninos e pede que saiam registrando tudo o que virem pela frente. Depois, passa a se reunir com eles para analisar as fotos. As aulas de fotografia revelam um novo mundo para os "nascidos nos bordéis". Mas a educação que lhes bate à porta ainda encontra resistência: a desconfiança das mães, a burocracia do Estado, o preconceito da sociedade... É emocionante e encantador ir acompanhando a dedicação da fotógrafa e o crescimento visível dos seus talentosos aprendizes.


"Camelos também choram"

(Die geschichte vom weinenden kamel, 2003 - Byambasuren Davaa & Luigi Falorni)
Uma comunidade nômade no deserto da Mongólia tem sua rotina alterada pelo nascimento de um camelinho albino cuja mãe se recusa a amamentá-lo. Enquanto acompanhamos as tentavivas vãs de se juntar os dois animais, conhecemos um pouco da rotina dessa família mongol que vive em tendas móveis - até aconchegantes - longe da tecnologia (um radinho de pilhas é o máximo que possuem) e arraigada a tradições milenares. Ao intercalar essas situações, os diretores de "Camelos também choram" constróem um filme simples, autêntico e - por isso mesmo - tocante e envolvente. Quem tiver paciência de acompanhar o desenrolar tranqüilo dos 87 minutos dessa produção entenderá o que estou tentando descrever.


"Grandes esperanças"

(Great expectations, 1946 - David Lean)
Enquanto o mundo se entediava com o jogo Brasil X Croácia, eu estava assistindo a "Grandes esperanças" (nenhum trocadilho com a situação da Seleção Canarinho na Copa do Mundo). No filme, Pip é um menino pobre que se apaixona por Estella, filha adotiva de uma senhora excêntrica que - tendo sido abandonada no altar - vive reclusa e amargurada no seu casarão. A garota é educada para seduzir os homens e desprezá-los, como uma forma de vingar o infortúnio da mãe. Um dia, o menino - que sonha se tornar um cavalheiro para poder lutar pelo amor que sente - recebe uma proposta de ir morar em Londres: terá suas despesas pagas por uma pessoa que prefere ficar no anonimato. David Lean consegue tecer sua história (baseada em Dickens) com maestria, envolvendo o expectador nos sonhos de Pip e nas artimanhas de Estella. Pena que a origem do dinheiro que muda a vida do garoto humilde não seja explicada e que a reviravolta final seja muito abrupta e - conseqüentemente - pouco crível.

junho 12, 2006

"Caché"

(Caché, 2005 - Michael Haneke)
"Caché" já começa magnífico: câmera parada mostra a frente de uma casa por vários minutos. Quando a impaciência dá sinal de aparecer, damo-nos conta de que estamos compartilhando com os donos da casa filmada aquelas mesmas imagens, uma vez que eles estão assistindo a uma fita que receberam anonimamente. O que - num primeiro momento - parece uma brincadeira, começa a preocupar a partir do instante em que uma outra fita, registrando a mesma cena, chega acompanhada de um desenho macabro. A vida pacata do casal começa estremecer. Não entendem o que aquilo quer dizer, mas sentem-se ameaçados, temem por si e pelo filho. Para desvendar o mistério, não poderão contar com a polícia francesa, visto que o fato de receberem fitas com aquele conteúdo não constitui crime algum. O esposo mostra-se cada dia mais perturbado e distante, como se escondesse algo, o que deixa a esposa intrigada, frustrada, decepcionada. Fica nítido que a relação deles não vai bem: nunca os vemos trocar palavras de conforto, um abraço, um carinho sequer. Haneke filma um grande suspense a partir de um drama. Bastam alguns minutos de projeção para que sejamos fisgados pela trama que envolve culpa, mentira, desconfiança e medo. Dali até o final, olhos e ouvidos atentos a todo e qualquer movimento ou barulho. Inicialmente, somos cúmplices da agonia daquela família; depois, já somos detetives sedentos de justiça. Por não entregar respostas fáceis, o filme tem seus detratores entre as pessoas que entram na sala esperando tudo mastigadinho. Mas a grandeza de "Caché" ("escondido" em francês) encontra-se exatamente no que não é revelado com todas as letras. Está tudo lá (o passado do protagonista, o casamento frio, o pré-adolescente rebelde, a culpa, a falta de confiança, a xenofobia...) formando um mosaico interessante - mas assustador - da natureza humana. Em tempo: Juliette Binoche e Daniel Auteuil estão brilhantes, em atuações dignas de todos os créditos.

junho 09, 2006

"Betty Blue"

(37º2 le matin, 1986 - Jean-Jacques Beineix)
Este post é para reparar uma das injustiças da Liga dos Blogues Cinematográficos, que não colocou esse filmão nem entre os 50 melhores da década de 80. "Betty Blue" marca a estréia arrebatadora de Béatrice Dalle no cinema e recebeu indicações de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro, no Oscar e no BAFTA de 1987. Betty é uma moça desequilibrada que, por acreditar no talento do namorado Zorg (Jean-Hugues Angland) como escritor, não admite que ele siga cuidando de bangalôs numa praia do sul da França ou trabalhando como garçom em Paris. O problema é que a realidade vai perdendo o foco para Betty. Cada vez que um editor recusa os escritos do seu amado, ela fica mais transtornada. E nem mesmo o amor compartilhado com Zorg consegue resgatá-la do mundo que só existe na cabeça dela. Obsessiva e possessiva, a moça vai transformando o relacionamento num inferno. Apesar de deprimente, esse filme é maravilhoso, com atuações estupendas (inclusive nas cenas de sexo) de Dalle e Angland, fotografia e trilha belíssimas, além da direção competente do genial Beineix (que anda sumido e tem outras obras interessantíssimas no currículo: "Diva", "A lua na sarjeta" e "Roseline e os leões"). Para quem não conhece "Betty Blue", vale a pena ver; quanto aos que se esqueceram dele, que tal reassistir?

junho 01, 2006

"Missão Impossível 3"

(Mission: Impossible III, 2006 - J.J.Abrams)
Ethan Hunt está mais quieto, treinando agentes para as "missões impossíveis" ao invés de executá-las ele mesmo. O motivo? Está apaixonado e vai se casar. Seu plano dá certo até que uma de suas melhores "alunas" cai numa emboscada e ele é chamado para resgatá-la. A partir de então, ele se envolve com uma história de tráfico de armamentos, provocando a ira do vilão que - em troca de uma ultra-secreta arma chamada "Pé de Coelho" - promete deixar a noiva do mocinho em paz. O filme começa com uma seqüência espetacular, de muita tensão, ganhando o espectador já naquele momento. Vem um corte e somos levados para uma festa de noivado que aconteceu vários dias antes. Estamos preparados, pois, para assistir a partir dali tudo o que vai levar àquele desfecho mostrado no início. O diretor Abrams conseguiu humanizar o personagem de Cruise sem abrir mão das inúmeras e mirabolantes cenas de ação. Seymour Hoffman constrói um antagonista estupendo, tanto pela inteligência e loucura quanto pela audácia e frieza. O resultado? "MI-3" prende a atenção do início ao fim e supera os dois trabalhos que o antecederam.

maio 30, 2006

"X-Men: O confronto final"

(X-Men: The last stand, 2006 - Brett Ratner)
A idéia da cura para a "doença mutante" é muito interessante. O fato do Magneto querer se apossar da descoberta para fortalecer seu exército também é. A aparição de personagens "inéditos", idem. Por que, então, o terceiro filme da série X-Men na telona não deu certo? Parece que o novo diretor preocupou-se muito com a ação e os efeitos especiais e pouco com a personalidade, com o drama das personagens (não conheço as hqs nem as animações, mas pelo que vi nos filmes anteriores, essa questão parece ser elemento primordial na saga deles). "X-Men III" promove um desfile de novos mutantes, mas não permite que eles se apresentem para o público, apenas deixa que demonstrem seus poderes. E a cura? Por dividir opiniões entre os principais interessados, tinha tudo para render boas discussões na história do "confronto final". Infelizmente, esse gancho fabuloso foi desperdiçado e explorado sem seriedade. Uma pena!

maio 29, 2006

"Tapete vermelho"

(Tapete vermelho, 2006 - Luiz Alberto Pereira)
Caipira apaixonado por Mazzaropi resolve dar ao filho um presente de aniversário inusitado: uma ida ao cinema mais próximo para assistirem a um filme do comediante. A família segue para essa jornada, sem saber que as salas de projeção do interior deram lugar a templos evangélicos. Assim, de cidade em cidade, vão-se deparando com casos de crendices sertanejas e, também, com a luta dos sem-terra e a fome dos meninos de rua. Nachtergaele "encarna" Mazzaropi com andado, postura e trejeitos idênticos; suas aparições são - sem dúvida - os melhores momentos do longa, que sofre um pouco com a quebra de ritmo causada pela interferência dos conflitos sociais (certamente, uma tentativa equivocada de atualizar a trama). Seu protesto na cidade grande para conseguir ver "Jeca Tatu" - numa seqüência que explica o título do filme - é hilária e emocionante. Gorete Milagres não consegue nos fazer esquecer de sua "Filó", mas isso não chega a comprometer.

PS: Desde a exibição de "Saló" do Pasolini, lá pelos idos da década de 80, não via a sala do Cine Cultura tão cheia. Isso comprova que o carisma de Mazzaropi vem atravessando gerações.

maio 26, 2006

"Rosencrantz e Guildenstern estão mortos"

(Rosencrantz & Guildenstern are deads, 1990 - Tom Stoppard)
Rosencrantz e Guildenstern são chamados pelo rei Cláudio para que se aproximem de Hamlet a fim de descobrirem se ele está doido ou é um farsante. Personagens secundários da tragédia de Shakespeare, os dois amigos do príncipe dinamarquês ganham papéis de protagonistas e passam o filme conjecturando sobre coincidência e fato, sorte e azar, vida e morte, atitude e acaso, impregnando de comédia dúvidas existenciais como a possibilidade de se fugir do próprio destino. Tudo funciona bem nessa estréia de Tom Stoppard: roteiro inteligente e ágil, ambientação, figurinos, iluminação, edição, atuações brilhantes de todo o elenco, direção de atores, tudo, tudo... Mas são de Tim Roth (de quem sou fã declarado) e Gary Oldman todas as glórias: eles estão soberbos nas peles dos atrapalhados e engraçados personagens-título. O filme funciona melhor para quem conhece a peça do bardo inglês.

maio 23, 2006

"O incrível exército de Brancaleone"

(L'armata Brancaleone, 1966 - Mario Monicelli)
É verdade. Até ontem, não havia visto essa comédia gostosa do Monicelli. Cavaleiro errante - inspirado em Dom Quixote - é abordado por um grupo de maltrapilhos que o convecem a atravessar a Itália para tomar uma cidade. Essa empreitada está assegurada por um pergaminho que garante ao portador a posse das terras. Em troca do documento, os ladrões querem a divisão dos bens depois da ocupação e se oferecem como soldados. Até chegar à tal cidade, muitas trapalhadas cercarão nosso "herói" num cenário devastado pelas guerras, peste e fome da Idade Média. Excelente atuação do galã Vittorio Gassman como o atrapalhado Brancaleone. E o diretor nos brinda com um final agitado, cheio de ação e mais risadas ainda.

"O código Da Vinci"

(The Da Vinci code, 2006 - Ron Howard)
Não li a obra de Dan Brown, mas "O código Da Vinci - o filme" é muito chato. Curador do Louvre é morto e deixa pistas sobre seu assassino no próprio corpo. A partir daí, perseguições e revelações vão se revezando na tela, sem criatividade nem surpresas. Mais de duas horas e quase uma dezena de bocejos depois, assisto ao final mais broxante dos últimos tempos. Tom Hanks e Audrey Tautou estão no piloto automático. É Paul Bettany - com seu monge atormentado - quem mais toca o público, numa interpretação intensa e correta. Mas só isso não salva esse projeto de centenas de milhões de dólares. Para isso, só um milagre ou um outro roteiro ou um outro diretor ou um outro filme.

maio 17, 2006

"Achados e perdidos"

(Achados e perdidos, 2005 - José Joffily)
Prostituta é encontrada morta em seu apartamento e policial que tem um relacionamento com ela é o suspeito número 1. Essa história até consegue nos envolver na primeira meia hora, mas o roteiro frouxo e prevísivel acaba por colocar tudo a perder. Na verdade, o achado do filme é Zezé Polessa, numa interpretação vivaz e convincente, bem diferente da atuação do restante do elenco.

"O veneno da madrugada"

(O veneno da madrugada, 2006 - Ruy Guerra)
Num vilarejo perdido no meio do nada em algum lugar do passado, trava-se uma guerra pelo poder entre a influente e tradicional família dos Assis e o administrador local. Chove ininterruptamente. Para complicar as coisas e aumentar a tensão, bilhetes anônimos revelando segredos e traições começam a aparecer nas portas de todos os moradores. Não é difícil imaginar onde isso vai dar. Ruy Guerra fez um filme poderoso: já nas primeiras cenas, ele consegue envolver a platéia com fotografia, edição e atuações primorosas. Para contar sua história, baseada em "A hora má" de Garcia Márquez, o diretor apresenta 3 ciclos do mesmo dia, em que muitas situações se repetem, só que com outros desfechos. Uma pena que o som de "O veneno da madrugada" não estivesse bom. Não sei se por problema da fita (menos provável) ou da sala (mais provável), o fato é que não consegui entender muitos diálogos. Mas ainda assim, o filme me impressionou.

maio 15, 2006

"No silêncio da noite"

(In a lonely place, 1950 - Nicholas Ray)
Roteirista de cinema torna-se o principal suspeito do assassinato de uma balconista. Mas o depoimento de uma vizinha acaba por inocentá-lo. As investigações prosseguem e aquele álibi abre as portas para uma grande história de amor. O problema é que o acusado tem um temperamento agressivo, com uma ficha corrida de queixas na delegacia. A desconfiança vai-se infiltrando devagarzinho naquela relação. Nicholas Ray constrói um filme intrigante, arracando interpretações muito boas de Humphrey Bogart e Gloria Grahame e criando uma atmosfera de dúvida e tensão que envolve quem assiste, desde as primeiras cenas até o desfecho fabuloso.

"Ultravioleta"

(Ultraviolet, 2006 - Kurt Wimmer)
Num futuro distante, um experimento científico para tornar seres humanos mais fortes, velozes e inteligentes acaba fugindo do controle: consegue agregar essas características mas transforma as pessoas em "hemófagos", criaturas mutantes "metade gente-metade vampiro". Essa sub-raça passa a ser perseguida e exterminada e, conseqüentemente, se rebela. Milla Jojovich é Ultravioleta, uma representante dos rebeldes que luta o tempo todo agarrada a uma esperança de cura. O problema do filme é que a história, a heroína, o vilão, os coadjuvantes e os superpoderes não convencem. Nada empolga de fato. É uma sucessão de lutas e fugas bobas protagonizadas (?) por atores perdidos num roteiro (?) infantilóide. Guardada uma distância bem considerável, "Ultravioleta" lembra "Aeon Flux", com suas mutações, intrigas e manipulações governistas pelo poder. Mas as comparações param por aí, porque o placar final coloca Charlize Theron muito à frente de Milla Jovovich.

maio 12, 2006

"Tudo por dinheiro"

(Two for the money, 2005 - D. J. Caruso)
Lang é um ex-atleta do futebol americano que trabalha no programa de rádio de uma pequena cidade dando palpites sobre os placares das partidas. Como ele acerta um percentual muito alto, acaba chamando a atenção de Walter - um grande empresário do ramo de apostas em Nova York - que resolve investir todas as suas fichas no moço. Na Big Apple, Lang muda de nome, vira estrela e fatura bastante para convencer apostadores milionários a investir nas suas previsões. Mas as coisas não dão certo o tempo todo: à medida que mergulha nas neuroses do mundo das apostas de Walter, Lang vai se distanciando dos seus sonhos, transformando-se noutra pessoa. A química entre a dupla Pacino-McConaughey garante bons momentos, o que acontece também com a coadjuvante Rene Russo (que faz a esposa do chefão, uma ex-viciada em drogas). O filme vai ficando mais interessante à medida que a personalidade de Walter é revelada, com todas as suas angústias, dependências, fraquezas e tendências à auto-destruição.

"16 quadras"

(16 blocks, 2006 - Richard Donner)
Bruce Willis faz um tira cansado e desmotivado que é escalado para conduzir uma testemunha-chave até o tribunal a 16 quadras da delegacia. O que ele não sabia era que o garoto iria depor em um processo para apurar corrupção nos quadros da polícia. Logo no início, fica claro que estão maquinando para que o "escoltado" não chegue vivo até a juíza. Não é difícil descobrir quem são os maiores interessados nessa execução. A partir daí, o filme vira um corre-corre só, afinal é preciso chegar ao local do julgamento em - no máximo - 2 horas. Enquanto fogem, policial e testemunha desenvolvem uma relação de amizade (um dos inúmeros clichê da história) que vai transformar suas vidas. As atuações mecânicas e as situações óbvias comprometem muito o resultado final do filme. Não chega a dar sono, mas não impressiona em nenhum momento.

maio 08, 2006

"Terapia do amor"

(Prime, 2005 - Ben Younger)
Mulher recém-divorciada conta em suas sessões de análise que está mantendo um romance com um rapaz 14 anos mais novo. Tudo estaria bem se o moço não fosse o filho da terapeuta. O filme é engraçadinho, mas não passa disso, apesar das boas atuações de Uma Thurman e Meryl Streep (aliás, as duas juntas em cena é o que o filme tem de melhor).

maio 03, 2006

"Irmãos"

(Son frère, 2003 - Patrice Chéreau)
Thomas e Luc são irmãos que não se vêem há anos. E a distância não é apenas geográfica. Mas uma doença rara, misteriosa e praticamente incurável vai forçar a reaproximação. Ao buscar a ajuda do irmão mais novo, Thomas mexe em feridas antigas. Aos poucos, mesmo mergulhados em muita dor e desesperança, eles vão (re)encontrando um afeto que parecia nunca ter existido. "Irmãos" é um filme igualmente triste e belo. É triste porque o roteiro não faz concessões: os perdões não preenchem ausências, não voltam as horas, não resgatam o passado. E é belo porque assim é toda entrega e toda (re)descoberta de amor, de carinho, de cuidado, de confiança. O que é construído a partir daquele encontro não recupera o tempo perdido, mas traz à tona sentimentos que fazem valer a pena cada segundo dali para a frente. Ao quebrar a ordem cronológica dos acontecimentos, misturando presente e futuro, o diretor parece querer enfatizar as transformações que a convivência provoca nos irmãos, entregando - sem problemas - a evolução da doença de Thomas. Assim, vemos primeiro uma cicatriz para depois sabermos da indicação de uma cirurgia. Outra coisa interessante é que, só na parte final do filme, me dei conta de que até aquele momento - em que a voz de Marianne Faithfull invande a cena com a canção "Sleep" - o diretor não tinha usado música alguma: criar uma trilha para sublinhar emoções tão intensas parecia mesmo desnecessário. É preciso registrar ainda as atuações excepcionais dos atores Bruno Todeschini e Eric Caravaca.

"O sol de cada manhã"

(The weather man, 2005 - Gore Verbinski)
Apresentador da previsão do tempo de um canal de Chicago recebe proposta de uma rede nacional de tv. O que deveria ser comemorado efusivamente acaba sendo ofuscado pelo caos de sua vida pessoal: o pai (Michael Caine roubando todas as cenas) está doente e com pouco tempo de vida, a ex-esposa (que ele quer reconquistar) está feliz, os filhos adolescentes (cuja guarda é dele) passam por problemas acentuados pela sua "ausência". Parece ser um pacote de situações interessantes para se fazer um bom filme. Mas o diretor não consegue amarrar todos esses pontos de maneira a construir uma teia mais densa. Acaba ficando no superficial, optando por mostrar o "fim" e não os "meios". Talvez seja muito para alguém cuja filmografia é capitaneada por sucessos como "O chamado" e "Piratas do Caribe". As cenas em que objetos são lançados sobre o "homem do tempo" em plena rua são bobas e desnecessárias: o riso que elas tentam provocar é totalmente deslocado (se alguém quiser me convencer da importância da recorrência dos arremessos, por favor sinta-se à vontade e fique já com o meu agradecimento).

abril 25, 2006

"Um filme falado"

(Um filme falado, 2003 - Manoel de Oliveira)
Mãe e filha partem de Lisboa em um cruzeiro rumo a Bombaim, onde o marido/pai - que é aviador civil - espera para que possam curtir umas férias. Ao fazer essa viagem, a mãe - que é professora de história - espera visitar os lugares (França, Itália, Grécia, Egito, Turquia e Iêmen) que conhece "na teoria". Ao responder a todas as perguntas da filha, ela vai dando uma aula sobre as grandes civilizações da humanidade. Em cada parada, novas histórias, novos hóspedes e mais histórias. Tudo corre bem até a parada em Aden. Manoel de Oliveira faz um filme grandioso, sem um "senão" sequer. Texto primoroso, imagens belíssimas, elenco internacional afiado - com destaque para Leonor Silveira e a pequena Filipa de Almeida - e um final de cair o queixo. Sem dúvida alguma, um dos melhores filmes a que já assisti.

"A casa dos bebês"

(La casa de los babys, 2003 - John Sayles)
País da América do Sul. Um programa governamental disponibiliza crianças para adoção por pais estrangeiros. Seis mulheres norte-americanas inscrevem-se e aguardam, num mesmo hotel, a decisão judicial que irá realizar seus sonhos de maternidade. A espera, no entanto, nos revela as tragédias pessoais (alcoolismo, abortos, casamento em crise, solidão e infertilidade) e um pouco do caráter de cada uma delas. A partir disso, o espectador vai começar a torcer para que essa ou aquela "ganhe" logo seu bebê. Fora do hotel, a realidade das ruas mostra crianças abandonadas envolvidas com pequenos furtos, cola, fome, serviços em sinais, malabares... Em torno do poder econômico que permite que os gringos comprem até mesmo "crianças", levanta-se vez ou outra uma discussão sobre os infortúnios da globalização. Ao misturar todas essas situações e entregá-las a um elenco entrosado, Sayles consegue fazer um filme simples na forma e riquíssimo na caracterização da natureza humana. Numa das cenas mais tocantes, uma das gringas relata à camareira o que ela imagina fazer num dia de neve com sua filha; a serviçal, por sua vez, conta seu drama e revela um desejo. A cena final é interessantíssima e bem coerente com a maneira imparcial com que o diretor e roteirista optou por contar sua história.

"Geração roubada"

(Rabbit-proof fence, 2002 - Phillip Noyce)
"Geração roubada" conta a história de Molly, Gracie e Daisy, 3 garotas australianas que são arrancadas de suas famílias em função de um programa governamental que visa à extinção da raça aborígene através da miscigenação com o branco. São levadas para um campo de treinamento e preparadas para serem domésticas. Molly não aceita a violência da separação nem a submissão daquele lugar. Obstinada, lidera a fuga de mais de 2 mil quilômetros, cruzando o país a pé em busca do seu lar. Apoiado no talento do trio infantil e de Kenneth Branagh (que faz o governador), o diretor nos entrega um filme tocante, revelando esse absurdo que vingou até meados dos recentes anos 70 e que é responsável por inúmeros problemas relacionados à falta de identidade dos aborígenes. Detalhe: as meninas são representantes da raça em extinção em questão, tinham - até as filmagens - pouquíssimo contato com a civilização branca e - óbvio! - nenhuma experiência com interpretação. Esse foi outro filme que passou bem pela revisão.

"O agente da estação"

(The station agent, 2003 - Thomas McCarthy)
Fin trabalha na loja de um amigo consertando miniaturas de trem-de-ferro. Com a morte do proprietário, ele herda um pedaço de chão em Terra Nova, que inclui um posto de estação ferroviária. Sem nada mais na vida para fazer, ele se muda para lá. Ah, Fin é um anão que - de tanto ser discriminado - tenta viver solitário. Só que essa empreitada tem tudo para dar errado, uma vez que sua "casa" fica de frente para o trailer de "cafe con leche" de Joe, um jovem cubano bacana que não consegue ficar calado de jeito nenhum e cujo pai é muito dependente dele. A esses dois, junta-se a arredia artista plástica Olívia (Patricia Clarkson em outra grande atuação), uma mulher que vive longe de todos, fugindo de um trauma recente. É óbvio que o ponto de convergência dessas 3 histórias está no brincalhão Joe, é ele quem vai quebrando as amarras de Fin e Olívia. A partir de então, começa a surgir uma amizade que pode colocar a vida de todos eles nos trilhos. "O agente da estação" é encantador, com um roteiro adulto e inteligente, que não apela para fórmulas fáceis.

"O filho da noiva"

(El hijo de la novia, 2001 - Juan José Campanella)
21 de abril, feriado com tempo de sobra para alguns flashbacks. "O filho da noiva" passou bem pela revisão. A noiva é uma senhora com Alzheimer. O noivo, um marido absurdamente apaixonado mas que nunca quis se casar na igreja. O filho, um dono de restaurante estressadíssimo, separado, pai de uma filha e vivendo um relacionamento - que obviamente não vai bem - com uma jovem e bela mulher. Misture tudo isso e você terá um filme sobre (re)considerações e recomeços. É emocionante o empenho do noivo em levar ao altar a mulher com quem vive casado há 44 anos. Apesar de todo o elenco estar excelente, o filme é de Norma Aleandro e Héctor Alterio, vivendo um casal de idosos apaixonado como há tempos não se via no cinema.