dezembro 05, 2007

"Medos privados em lugares públicos"

(Coeurs, 2006 - Alain Resnais)
O amor é particular e reservado, só quem tem o sentimento no peito sabe o que verdadeiramente se passa. Já o relacionamento é coletivo, entrega-se - no mínimo para outra pessoa - o que somos e sentimos. Talvez por isso, circulando entre personagens maravilhosos, bem construídos e interpretados por um elenco espetacular (com Sabine Azéma à frente), quem se destaca mesmo no filme é a neve, que cai incessantemente sobre uma Paris dos dias atuais. Nós vemos os flocos brancos já na panorâmica inicial e - até mesmo - dentro de casa. E eles simbolizam muito bem o frio que ronda todas as situações dessa história de solidão. "Medos privados em lugares públicos" não é outra coisa senão a busca constante por companhia. Assim, temos Lionel (o garçom do bar de um grande hotel) que conversa todas as noites com Dan (um cliente desempregado) que está saindo com Gaelle (uma solteirona que marca encontros através de classificados de jornal) que mora com o irmão mais velho Thierry (corretor de imóveis que não consegue encontrar - para a cliente Nicole - o apartamento ideal) que é apaixonado por Charlotte (secretária da imobiliária e senhora muito religiosa) que cuida de um idoso doente que é pai do garçom solitário do início dessa ciranda. A teia de sentimentos com que Alain Resnais trabalha é vasta e nos envolve completamente ao longo de 2 horas que não vemos passar. É como se ele colocasse todos os personagens num labirinto (aquele plano do alto, com Nicole e Thierry "descobrindo" o apartamento reforça bem essa sensação). E todos parecem perdidos, no meio de seus segredos e frustrações, sem saber que caminho tomar, e sempre separados do outro por barreiras físicas - já não bastassem as emocionais: divisórias, cortinas, paredes, grade, folhas de jornal... A própria neve parece um véu a esconder o outro lado da rua, a congelar a possibilidades de entrega e calor. E até mesmo quando tentam romper os bloqueios, os personagens se escondem atrás de apelidos, de desculpas, de fantasias eróticas, de fotografias... Nada mais do que o medo de se expor, o medo do outro.

4 comentários:

Marfil disse...

Esse decididamente é o meu filme do ano. O deleite foi melhor ainda porque assisti sem pretensões alguma e o filme me fisgou! Têm o meu voto para o Alfred!

Anônimo disse...

Gostei do filme, mas não figura entre meus preferidos nesse ano. A história não me cativou como deveria, apesar do ótimo elenco e do trabalho técnico ser um diferencial (direção de arte notával para uma longa contemporâneo).

Gostei muito do blog...

Angela Ursa disse...

Gostei muito dos seus tópicos de cinema. Beijos da Ursa :))

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Marfil,
o filme me impressionou e tocou muito. Cotadíssimo também no meu top 10 2007.
Obrigado pela visita.
Abração

Vinícius,
adoro essa estrutura de roteiro, onde mundos e pessoaso vão se emaranhando numa teia de sentimentos e expectativas. Fora isso, fotografia deslumbrante, planos intrigantes, um elenco acertadíssimo nas mãos de um diretor fantástico, para não falar da mencionada direção de arte. Resnais é Resnais.
Obrigado pela visita. Volte mais.
Abração

Ursa,
e eu gostei muito da sua visita.
Venha outras vezes.
Abração