
Pode não ser o título mais bacana da história do cinema, afinal a palavra “escafandro” causa uma certa estranheza no primeiro momento. Mas após assistir ao terceiro longa do diretor Julian Schnabel (os anteriores foram “Basquiat - Traços de uma vida” e “Antes do anoitecer”), chega-se à conclusão de que não há substantivos mais apropriados para nomear essa história de solidão e superação em que o peso e a clausura do corpo contrastam com a leveza e a liberdade do pensamento.
Jean-Do Bauby, interpretado com segurança e carisma por Mathieu Amalric, é um profissional conceituado (editor da revista Elle) que, após um acidente vascular cerebral (AVC), perde todos os movimentos corporais, menos os do olho esquerdo. Apesar da gravidade do caso, conhecido como “Síndrome do Encarceramento”, os médicos estão esperançosos, já que o cérebro segue funcionando perfeitamente. A partir dessa constatação, uma equipe de fisioterapia e fonoaudiologia aceita o desafio de criar um método de comunicação que possa acabar com aquele isolamento.
Como “O escafandro e a borboleta” é baseado em um livro de memórias, deduz-se não apenas que o desafio foi vencido, mas que o jornalista conseguiu ir muito além: escrever uma autobiografia usando apenas o piscar de um olho para soletrar as palavras é (quase) inacreditável. E mais impressionante ainda é a quantidade de pensamentos e descobertas que o campo de visão daquela retina passam a suscitar. Aqui, há que se destacar a brilhante adaptação de Ronald Harwood, pois com todos os elementos para criar um drama choroso, o roteiro de “O escafandro...” foge das lágrimas. Emociona sim, sem deixar, no entanto, de revelar o humor e a ironia que permanecem gritantes na vida do personagem central.

Os primeiros minutos do filme encerram o espectador nesse universo claustrofóbico do “escanfandrista”, como se quisesse que o seu dilema fosse vivido por quem assiste. Para garantir essa imersão, durante a meia hora inicial, nenhuma trilha incide sobre as cenas, não deixando margem para os devaneios e escapatórias a que a música é capaz de levar. Mas a monotonia cênica logo dará lugar a outros ares fora do ambiente hospitalar. Porque se o corpo do protagonista está preso, sua mente voa solta, resgatando o passado através de flashbacks que reconstroem a trajetória pré-AVC e mostrando imagens que ele inventa a partir dos desejos que ainda vivencia. Assim, memória e imaginação criam o trapolim para que o espectador mergulhe nas qualidades e defeitos desse homem que já foi casado, é pai relapso e filho afetuoso. Aliás, as cenas com (o velho e bom) Max von Sydow são brilhantes. E o elenco feminino - capitaneado pelas atrizes Emmanuele Seigner (ex-esposa), Marie-Josée Croze (fonoaudióloga) e Anne Consigny (assistente de redação) - também é responsável por muitos momentos emocionantes.
Não apresentar o jornalista como mocinho nem coitadinho é outro grande trunfo desse trabalho de Julian Schnabel. Por isso e também pelo fato de apenas o público conhecer os pensamentos de Jean-Do, há uma aproximação e identificação imediata com as situações e sentimentos retratados na tela, o que torna bem fácil entender porque um escafandrista pode voar.
Em tempo: o filme - que começa com a clássica “La mer”, na voz de Charles Trenet - termina com a belíssima “Green Grass”, interpretada por Tom Waits. Mas só vai ouvi-la quem ficar acompanhando os créditos até o finalzinho.