julho 04, 2008

"1958 - O ano em que o mundo descobriu o Brasil"

(idem, 2008 - José Carlos Asbeg)
A semana passada foi marcada pela comemoração dos 50 anos da conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil. Não poderia, pois, haver programa mais apropriado do que assistir ao documentário do jornalista e (agora) cineasta José Carlos Asbeg. Mesmo não sendo um fã ardoroso do esporte, fiz questão de marcar presença (numa sessão com pouco público, diga-se de passagem): eu não seria louco de perder um filme que tem no elenco artistas como Garrincha, Didi, Pelé e Vavá (só para citar alguns) e que celebra o nascimento do futebol-arte, filho daquela que é considerada, quase unanimemente, a melhor seleção brasileira de todos os tempos.
“1958...” mostra como foi desatado o nó-na-garganta dos torcedores e jogadores daquela época. Depois de estar presente nas duas finais mundiais anteriores e sair como vice, o Brasil partia para a Suécia desacreditado, desconfiado, temeroso. Era o complexo de vira-latas, definido por Nelson Rodrigues como o sentimento de inferioridade que tomava conta do brasileiro quando entrava em contato com a força e a cultura dos países desenvolvidos. A expectativa era de que, mais uma vez, a seleção fosse amarelar na hora de decidir. O que se viu, no entanto, foi um time valente e criativo, com uma vontade ferrenha de trazer para casa o título inédito de melhor do mundo.
E aquele ano mostrava-se bem significativo: Juscelino Kubitschek era o presidente do crescimento e do progresso; a Brasília de Niemeyer e Lúcio Costa estava em construção; a música brasileira transformava-se com a cadência suave da Bossa Nova; e as bases do Cinema Novo - que ganharia o mundo em pouco tempo - já agitavam as idéias dos nossos cineastas. Tudo apontava para a verdadeira descoberta do Brasil. Mas seriam os pés dos brasileiros - com sua magia ao tocar uma bola - os primeiros a revelar aos quatro cantos a existência de uma grande nação verde-amarela ao sul do Equador.
Para falar do que significou erguer a Taça Jules Rimet em 29 de junho de 1958, o filme começa com as imagens da conquista (atenção para a abertura, com a câmera passeando por um painel cheio de autógrafos e recortes de jornais, que exaltam o baile que os jogadores-artistas deram nos seus adversários). Depois, recua no tempo, voltando a 1950, quando o Uruguai derrotou a seleção brasileira em pleno Maracanã, libertando o fantasma que assustaria o Brasil pelos próximos oito anos. Narrando toda a história, do descrédito ao triunfo, estão os protagonistas do espetáculo (claro!). São os depoimentos de Nilton Santos, Dino Sani, Mazzola, Zagallo, Zito, Moacir e Djalma Santos, entre outros, que conduzem o filme de Asbeg, ao som de uma trilha eclética que mistura valsa de Strauss com marchinha brasileira e pontua os muitos sentimentos provocados pelas lembranças emocionantes que vão surgindo ao longo dos seus 90 minutos de duração. E por falar em emoção, a cena em slow motion da caminhada do ‘príncipe’ Didi, do fundo de rede até o centro do gramado, com a bola debaixo do braço, após a Suécia ter inaugurado o marcador em Estocolmo, é espetacular: sua atitude serena consegue traduzir perfeitamente o peso da responsabilidade e a busca do equilíbrio que faria o time virar o placar.

Não bastassem todos os detalhes descritos por quem participou ativamente do enredo daquele mundial, o diretor (como bom jornalista) quis ouvir a versão dos derrotados e viajou para o exterior a fim de entrevistar jogadores de todos os times que o Brasil enfrentara: Áustria, Inglaterra, União Soviética, País de Gales, França e Suécia. E se você pensa que os depoimentos foram só ovação, está enganado. Há a queixa de um francês sobre o lance que tirou o zagueiro Robert Jonquet do jogo pela semifinal e deixou a França com um jogador a menos, uma vez que a substituição não era permitida. Outro bom momento - e, dessa vez, engraçado - é quando um jogador soviético conta sua reação após a derrota por 2x0: arremessou a chuteira contra o armário do vestuário, dizendo “Não jogo mais. O que jogamos não é futebol. Futebol é o que eles jogam”. Isso tudo por causa dos dribles desconcertantes do genial Mané Garrincha, que ignorou a marcação dos russos e executou jogadas memoráveis que entraram para os anais do futebol e não saem da memória de quem as viu (ou está vendo agora).
Revezando imagens das partidas e dos entrevistados (também foram ouvidos jornalistas e dirigentes de então), Asbeg constrói um filme didático, em que o público acompanha os detalhes de cada jogo, na sequência em que eles aconteceram mesmo. E isso não é defeito - que fique claro - pois até ajuda o cinéfilo que não é apaixonado por futebol a compreender a grandiosidade do que ocorreu naquela copa do mundo. Na verdade, bem mais do que recuperar uma história de chutes e gols, “1958...” conta uma epopéia de transformações. Afinal, não se pode esquecer que aqueles craques partiram do Brasil como “vira-latas” e regressaram como heróis.
Em tempo: muito tem-se falado sobre a ausência de depoimentos de Pelé no longa de estréia de José Carlos Asbeg. Se a questão foi de agenda ou de cachê, não importa. As imagens do garoto de 17 anos demonstram muito bem o talento que o mundo passaria a conferir e idolatrar a partir dali. E falam por si.

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