julho 11, 2008

"Wall-E"

(Wall-E, 2008 - Andrew Stanton)
Depois da recente e polêmica produção do diretor indiano M. Night Shyamalan ter abordado uma reação de auto-proteção da natureza para salvar o planeta da ação predatória do homem, eis que chegou às telas brasileiras, na semana passada, um outro longa que toca no assunto. Só que dessa vez, o mundo já está inabitável, sem uma forma de vida sequer. Mas sabe o que é mais interessante? O filme em questão é (mais) uma célebre animação da Pixar (isso mesmo, desenho animado), responsável por sucessos como “Toy Story”, “Monstros S/A”, “Procurando Nemo”, “Os Incríveis” e “Ratatouille”.
“Wall-E” começa com uma panorâmica do que parece ser uma grande metrópole com seus incontáveis e gigantescos arranha-céus. À medida que o plano vai-se fechando, percebemos que os edíficios são, na verdade, imensas torres de lixo. Em seguida, vemos um pequeno e solitário robô (que lembra o E.T. de Spielberg, com seus olhos grandes, pescoço longo e corpo compacto) , envolvido numa rotina diária de limpar a sujeira que os humanos acumularam na Terra, até esgotarem todos os recursos naturais e partirem numa viagem espacial a bordo da astronave Axioma, com o propósito de dar um tempo para o meio ambiente se recuperar e os robôs limparem tudo. Detalhe: já se passaram mais de 700 anos, nenhuma forma de vida foi detectada e Wall-E é a única máquina que ainda resiste.
Enquanto recolhe e compacta os entulhos, ele separa objetos que lhe parecem úteis ou trazem lúdicas lembranças, como isqueiros, lâmpadas, brinquedos, peças eletrônicas, etc. Mora numa espécie de conteiner, tem uma baratinha como amiga e adora assistir ao vídeo do musical “Alô, Dolly”, de 1969, com Barbra Streisand e Walter Matthau. É, o robozinho é de uma sensibilidade que vai divertir a criançada e encantar os marmanjos. E é essa sua rotina... até o dia em que uma nave pousa na cidade e deixa um moderníssimo robô-fêmea (Eva) com a missão de rastrear aquela região em busca de vida. Desconfiada e temperamental, ela vai cair nas graças de Wall-E. Juntos, eles irão protagonizar uma história de aventura, amor e descobertas que transformará a vida na Terra.
O que primeiro chama a atenção na nova animação da Pixar é a quase-ausência de diálogos. Nos primeiros 20 minutos, não há nenhum. E mesmo depois, eles se restrigem ao essencialmente necessário. Como no clássicos do cinema mudo, a interação surge em situações corriqueiras, que vão fazendo graça e arrancando risos à medida que desvendam o dia-a-dia dos personagens. É assim, por exemplo, quando o robozinho quase atropela sua baratinha de estimação ou quando Wall-E tenta fazer com que a superpoderosa (e igualmente desajeitada) Eva dê um giro em torno de si mesma, como fazem os dançarinos do seu musical preferido. Tanto silêncio numa produção inicialmente voltada para o público infantil parece ter sido uma decisão arriscada, mas - logo se percebe - perfeitamente sintonizada com a falta de comunicação e laços dos humanos do século XXIX, retratados como pessoas sedentárias, solitárias, que só se comunicam através dos meios eletrônicos, absurdamente influenciadas pela publicidade e muitíssimo consumistas. Qualquer semelhança com a atualidade não é mero acaso.
E o longa do diretor Andrew Stanton (o mesmo de “Procurando Nemo”) segue surpreendendo. É só ficar atento aos detalhes. Quando Wall-E assiste a “Alô, Dolly” pela primeira vez, o colorido do musical constrata com a monocromia do cenário daquele mundo desolado, onde predominam os tons terrosos do pó e da ferrugem. Já na astronvae onde “vegetam” os humanos, o set ilumina-se com as cores artificiais de uma existência fabricada. A trilha sonora - que conta com a participação do politicamente correto Peter Gabriel, compositor e intérprete da bela “Down to Earth” que encerra o desenho - também sinaliza que estamos diante de um produto diferente e diferenciado. Ao invés das costumeiras melodiazinhas melosas, ouvimos “La vie en rose” na voz de Louis Armstrong; duas ou três canções do já citado “Alô, Dolly”; e “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss, em mais uma referência a “2001 – Uma odisséia no espaço”, sendo o robô que tenta controlar a Axioma a mais evidente delas. Por sua vez, as vozes de Wall-E e Eva remetem ao R2-D2 de “Guerra nas estrelas”.
Para a criançada, que não pega a maioria dessas alusões, fica uma linda história com foco no respeito à natureza e na ação transformadora da solidariedade, temas bastantes caros atualmente. Não fosse isso já suficiente, ainda há bastante diversão, que - na segunda metade do longa - fica a cargo das trapalhadas de Wall-E dentro da ultra-sofisticada nave espacial e dos amigos desajustados que ele encontra enquanto tenta escapar de uma perseguição. Por tudo isso e por tantas outras citações e cenas memoráveis (que eu deixo para você descobrir), o novo filme da Pixar é um marco da animação (e do cinema!). E já nasce com cara de clássico.

2 comentários:

Anônimo disse...

São poucos os filmes que deixam uma impressão tão positiva após o fim da sessão, com cara de clássico mesmo. "WALL-E" não é uma obra-prima apenas por ser mais uma adorável animação da Pixar, mas especialmente pela mensagem transmitida de forma inesquecível. Provavelmente o melhor filme do gênero que já vi!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

É isso mesmo, Vinícius. E dessa vez a Pixar acertou a mão sob todos os aspectos. "Wall-E" encanta da primeira à última cena.
Abração