agosto 08, 2008

"As aventuras de Molière"

(Molière, 2007 - Laurent Tirard)
Seguindo os conceitos do personagem retratado em seu filme, o diretor Laurent Tirard entrega uma comédia deliciosa que arranca risos ao criticar a futilidade dos nobres da corte francesa do século XVII, enquanto enaltece sentimentos e discussões mais relevantes nas entrelinhas. Apoiado ainda nas atuações de um elenco inspirado e na montagem que mantém o ritmo da primeira à última cena, fica fácil entender porque as “As aventuras de Molière” vem seduzindo o público.
Para falar desse patrimônio da cultura da França, Tirard optou por fazer um recorte e focar sua narrativa nos 13 anos que antecedem a consagração de Molière, exatamente o período de controvérsias entre seus biógrafos. O filme começa com o personagem em conflito diante das suas peças, por considerar a comédia uma arte menor. Mas logo recua no tempo e mostra sua prisão em função das dívidas contraídas (e não-pagas) para manter o grupo de teatro. Tudo vai mal até a aparição de Monsieur Jourdain, um fidalgo bobalhão (Fabrice Luchini, de “O joelho de Claire” e “Confidências muito íntimas”) que compra sua liberdade a troco de aulas de interpretação. Sem alternativa, Molière (Romain Duris, de “Albergue espanhol” e “Em Paris”) aceita a inglória missão. Ao se embrenhar na casa e na vida da família Jourdain, o comediante vai se deparar com todos os ingredientes que servirão de inspiração para suas encenações futuras, além de encontrar na senhora Jourdain (Laura Morante, de “O quarto do filho” e “Medos privados em lugares públicos”) o incentivo para o amadurecimento dos seus escritos.

Com figurinos e direção de arte primorosos, fica fácil embarcar nessa viagem de sátiras, sendo mais do que justo ressaltar a química avassaladora existente entre os atores Romain Duris, Fabrice Luchini e Laura Morante. Quando dois deles (ou os três) estão juntos em cena, a história ganha seus melhores momentos, com atuações preci(o)sas que, inevitavelmente, provocam gargalhadas e suspiros. Mas, sem sombra de dúvidas, é Luchini o grande destaque do filme. Sua interpretação afetada é perfeita para ridicularizar o personagem que é uma caricatura da burguesia rica e inculta. Romain Duris também surpreende ao construir um Molière no limite entre o palhaço e o gênio.
Mas o sucesso de “As aventuras de Molière” merece um crédito especial: o roteiro de Laurent Tirard e Grégoire Vigneron é primoroso, com diálogos inteligentes, espirituosos e ágeis. Dessa forma, tudo o que vemos é relevante e não dá para tirar os olhos da tela sem correr o risco de perder uma ótima piada, como na cena em que Molière zomba das relações burguesas, imitando os trejeitos do seu fidalgo credor ao ser ludibriado por um membro da nobreza parisiense. E olha que os roteiristas ainda encontraram espaço para subtramas envolvendo amores adolescentes, casamentos arranjados, paixões proibidas, dilemas morais e morte, tudo conduzido com propriedade pela belíssima trilha sonora de Frédéric Talgorn.
Por falar em paixão, não posso terminar esse texto sem dar a devida atenção à caracterização de Laura Morante para Elmire Jourdain. Desde sua primeira aparição, é possível perceber a mistura de sensibilidade, força, inteligência e sensualidade daquela mulher. Ela é a antítese do marido e a musa do escritor incipiente. A admiração que se instala entre eles já na primeira parte do longa é responsável por um momento memorável: a montagem paralela das confissões dos dois diante de um espelho. Uma saída brilhante para viabilizar uma situação impensável devido às posições sociais tão díspares do casal. Ou seria aquela película refletora uma janela para os sonhos que (quase) nunca se realizam?

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