agosto 04, 2008

"Do outro lado"

(Auf der anderen seite, 2007 - Fatih Akin)
Yeter se prostitui na Alemanha para pagar os estudos da filha Ayten em Istambul. Ameaçada por radicais muçulmanos, deixa as ruas e aceita morar com o cliente Ali, um viúvo turco cujo filho Nejat é professor de literatura numa universidade de Bremen. Nejat vê aquela união com desconfiança, mas decide partir para a Turquia em busca de Ayten, depois de um problema com Yeter e uma briga com o pai. Acontece que Ayten é uma ativista política que protesta contra a corrupção e a desigualdade social em seu país. Ao ver os companheiros sendo presos, foge para Bremen, onde conhece Lotte, uma estudante alemã de classe média que resolve abrigá-la. Lotte mora com a mãe, Susanne, que não gosta nem um pouco daquele envolvimento da filha ariana com uma desconhecida turca. É essa ciranda de desencontros e diferenças que faz girar a trama de “Do outro lado”, do diretor Fatih Akin, o mesmo de “Contra a parede”, ganhador do Urso de Ouro em Berlim em 2004.
No meio de todas as reviravoltas desse novo filme, Akin (ele próprio, um alemão filho de pais turcos) parece querer falar mesmo sobre a angústia do não-pertencer. Todos os personagens parecem deslocados onde quer que se encontrem: a prostituta gostaria de estar perto da filha, a militante não aceita a cruel e injusta realidade do seu país, o mestre abandona as aulas em Bremen para cuidar de uma livraria alemã em Istambul, a estudante germânica se manda para a Turquia em conflito com a mãe... Mas é exatamente quando estão à procura do outro que os personagens conseguem encontrar a si mesmos. As cenas que mostram dois caixões no aeroporto de Istambul, sob o mesmo ângulo e em momentos distintos, traduzem com simplicidade e eficiência essa percepção e entendimento do que é estar do outro lado, na pele de outra pessoa.
Ao apontar suas lentes para esses sentimentos, o diretor nos entrega um filme comovente, apresentando tipos duros e cruéis sob determinados pontos de vista, mas que nunca são inflexíveis. Assim, é curioso ver como os acontecimentos vão mexendo com seus valores, provocando uma reação que faz abrir os olhos, rever atitudes e resgatar uma essência que parecia perdida. A câmera próxima ao rosto e ao olhar dos atores contribui para que o público enxergue as verdades que estão sendo reveladas e acredite nelas. E é isso o que importa no filme de Akin: as revoluções interiores têm muito mais relevância do que os acontecimentos externos. Prova disso é que dois segmentos do filme ganham títulos que anunciam a morte de personagens que ainda serão apresentados. Anti-clímax? De jeito nenhum. O espectador sabe que a tragédia anunciada irá explodir muitas convicções e provocar mudanças importantes.
Além de ser um filme que emociona ao abordar assuntos como conflito de gerações, solidão na velhice, sonhos frustrados, arrependimentos e reconciliações, “Do outro lado” incomoda ao fazer sua crítica social à intolerância, ao preconceito e à falta de solidariedade, exatamente no momento em que o controle da entrada de imigrantes torna-se mais intenso na União Européia. Mas não pense que Fatih Akin joga a bomba apenas no colo dos alemães. Além dos políticos corruptos, também a justiça turca é criticada no longa. E a conseqüência das intransigências tanto de uns quanto da outra podem ser conferidas numa seqüência importante protagonizada por um grupo de adolescentes turcos.
O belo e engenhoso roteiro de “Do outro lado”, assinado pelo diretor e premiado em Cannes em 2007, encontra suporte inestimável na edição de Andrew Bird: os vários dramas se misturam para construir uma história maior e - em muitos momentos, durante a projeção - é possível perceber um detalhe já mostrado anteriormente, o que acaba contextualizando e dando mais significado à nova cena. É assim, por exemplo, que percebemos que a última seqüência do filme é a continuação imediata da primeira cena que vimos. E que tudo o que acontece entre elas serve para justificá-las. Diga-se de passagem, o desfecho de “Do outro lado” é de uma plasticidade e significado dignos das grandes obras do cinema. De modo que, não teria sido absurdo, se o filme - indicado também à Palma de Ouro no ano passado - tivesse levado o prêmio. Vale dizer ainda que o elenco do longa está afinadíssimo, com destaque para Tuncel Kurtiz (Ali), Nursel Köse (Yeter) e Hanna Schygulla (Susanne), musa de Rainer Werner Fassbinder em “O casamento de Maria Braun”.

4 comentários:

Anônimo disse...

Até agora só vi um filme do Fatih Akin (o comentado "Contra a Parede", o qual considero muito fraco por sinal), mas fiquei muito interessado nesse "Do Outro Lado", ainda mais depois do sucesso em Cannes no ano passado. Abraço!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Vinícius,
já eu gostei de "Contra a parede" e não acho que o filme que tenha sido indicado e ganhado tantos
prêmios seja "muito fraco", rsrs. Mas "Do outro lado" é ainda melhor.
Abração

Rafael Carvalho disse...

Cara, eu devo assistir a esse filme daqui a poucos dias e fiquei bastante empolgado com sua nota. Contra a Parede eu vi recentemente e gostei, embora não seja assim tão excelente. Vamos ver o que o Fatih nos guarda! Abraço!!!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Rafael,
acho esse melhor ainda que "Contra a parede". O roteiro engenhoso, as boas atuações e o final arrebatador emocionam mesmo. Assista e depois me diga ou escreva no Moviola que eu irei conferir.
Abração