junho 27, 2008

"Fim dos tempos"

(The happening, 2008 - M. Night Shyamalan)
Apesar de ter feito dois filmes antes de “O sexto sentido (1999)”, M. Night Shyamalan só surgiu para o grande público com a história do garoto que enxergava os mortos. No entanto, o sucesso alcançado na ocasião não voltou a se repetir na carreira do diretor. E olha que a sua produtividade é alta: em nove anos, realizou outros cinco longas. “Corpo Fechado”, “Sinais”, “A vila” e “A dama na água” dividiram opiniões, que foram do amor ao ódio com igual intensidade. A mesma coisa está ocorrendo agora com o seu recém-lançado “Fim dos tempos”.
E sabe qual é o problema que ele enfrenta? Estão levando a sério demais uma proposta de entretenimento de Shyamalan. Isso mesmo: “Fim dos tempos” é para ser curtido como um bom suspense e ponto. Não quer discutir teorias, mostrar efeitos especiais mirabolantes, nem apresentar nada incrivelmente novo. É diversão para quem se dispuser a entrar na brincadeira. De que outra maneira encarar o pretenso herói (o professor de Ciências) que - ao invés de investigar um fenômeno extraordinário - opta for fugir e, ainda por cima, conversar com as plantas? Justo ele que, em sala de aula, instiga os alunos a buscar respostas para estranhas ocorrências da natureza! E o que dizer de situações patéticas como a da esposa que esconde do marido a “grande traição” de ter tomado uma sobremesa com um colega de trabalho e ainda faz citação à perseguição psicótica da personagem de Glenn Close em “Atração fatal”? É tudo propositalmente bobo, às vezes fora mesmo do contexto de um suspense/terror. Mas vamos à história.
Estrelado por Mark Wahlberg (“Os donos da noite” e “Os infiltrados”), que interpreta o tal professor, o filme está centrado num estranho acontecimento: contaminados por uma toxina que destrói neurotransmissores relacionados ao instinto de sobrevivência, cidadãos norte-americanos passam a protagonizar um suicídio coletivo. Parece absurdo? Há um personagem que ratifica essa impressão ao dizer que achava que já tinha visto de tudo nesse mundo (olha o Shyamalan desbancando a seriedade outra vez). Como não poderia deixar de ser, terrorismo e armas químicas são as primeiras suspeitas. Mas a proporção descomunal com que o ataque é executado leva a outra hipótese. A tal substância venenosa estaria vindo das plantas, em resposta à depredação contínua e crescente do meio ambiente, numa espécie de mecanismo de proteção ao planeta, que elimina quem coloca o equilíbrio dos ecossistemas em risco. É uma premissa curiosa e instigante. E gera cenas incríveis que - se não chegam a causar pânico - provocam grande desconforto e atestam que a criatividade do diretor segue em alta: os corpos caindo do edifício e as mortes no asfalto em "efeito dominó" são dois exemplos emblemáticos. Na verdade, o ponto de partida da história é tão genial que bastam alguns minutos para que o público esteja completamente envolvido.
Bem no início de “Fim dos tempos”, enquanto a série de suicídios está ocorrendo, Elliot discute com seus alunos o desaparecimento da população de abelhas. A dedução de um dos pupilos é curiosa: os cientistas encontrarão uma resposta, mas daí a provar que ela é 100% pertinente já é outra história. Pois é esse caminho que os próximos 80 minutos de projeção irão trilhar. Shyamalan quer seduzir a platéia sem se preocupar em desvendar o mistério. Assim, vão sendo derrubadas todas as possibilidades de entendimento do fenômeno suicida, como aquela de que o ataque se daria somente onde existisse um grande número de pessoas. Destruído esse raciocínio, o suspense aparece até mesmo quando uma criança se diverte no balanço amarrado a um galho de árvore. É inevitável não esperar pelo instante em que a inocente brincadeira poderá despertar a ira da natureza.
Já nos momentos finais, quando parece não existir mais lugar seguro para se proteger, entra em cena uma senhora que vive isolada, morando sozinha, sem energia elétrica ou qualquer indício de comunicação. É nesse derradeiro oásis de proteção que a última certeza sobre a ação da misteriosa toxina será desmantelada, restando ao espectador render-se às seqüências de medo criadas dentro das quatro paredes daquela casa “quase” assombrada. E me parece ser apenas isso o que Shyamalan deseja com seu “Fim dos tempos”: criar tensão e, se possível, garantir alguns sustos, sem maiores comparações com o grande mestre que ele segue homenageando. E por falar nisso, dessa vez, sua participação hitchcockiana é apenas com a voz. Fique atento.

13 comentários:

Anônimo disse...

Acho que é a primeira opinião realmente positiva que leio a respeito desse filme, o que é ótimo, já que sou grande fã do diretor e não fiquei muito satisfeito com a péssima recepção da crítica. Espero que ao menos cumpra seu papel como suspense.

Abraço!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Olha, Vinícius, sinceramente não entendi a avalanche de críticas negativas que o filme vem recebendo.
Eu escolhi esse viés do suspense, mas há muitos outros motivos para gostar de "Fim de tempos". Não há nada gratuito ou impensado ou preguiçoso (e demais impropérios que andam dizendo do Shyamlan).
Sei lá, cada um com a sua opinião, né? Mas quer ver outra crítica positiva e totalmente diferente da minha: vá lá na Contracampo (link ao lado).
Abração

Fer Guimaraes Rosa disse...

Demas, eu tive uma grande decepcao com esse diretor e a partir disso nao quis mais ver nenhum filme dele. Mas sua opiniao eh influenciadora, e talvez.... ;-))

Ontem vi o Away From Her, influenciada pela sua review. Eu achava que seria um filme horrivelmente deprimente [como foi o lindo, porem tristissimo Iris], mas me surpreendi! Obrigada!

e abracao,

lola aronovich disse...

Oi, Demas. Não conhecia o seu blog, aí vc deixou um comentário lá no meu e apareci aqui pra ver. Muito bom! Faz tempo que vc tem o blog? Vamos trocar uns diálogos cinéfilos. Vc aparece lá, eu apareço aqui, pode ser?
Quando vc mudou o seu sistema de cotação de "Sorrisinhos/Gritos/Prego na Cadeira/Vaias/Sono" etc pras notas? Acho que prefiro mais as palavras.
E vem cá, vc tem 41 anos, a mesma idade que eu. Também é de 67? Abração!
www.escrevalolaescreva.blogspot.com

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Nossa, Fer, que responsa... rsrsrs
Mas sério: pode não ser o melhor Shyamalan, mas também não merece todos os impropérios que tenho ouvido. Aliás, não tem nenhum Shyamalan que ache ruim, ruim.
Que bom que você gostou de "Longe dela". Sarah Polley realmente me surpreendeu ao conseguir abordar temas tão adultos/maduros com tanta propriedade, sem despendar para o dramão meloso. Saí do cinema realmente tocado. E aquela versão de "Helpless" no final, tão dentro do contexto? Meu Deus! Coloquei um link para essa interpretação da k.d. lang aqui ao lado em "Trilha sonora".
Abração

Lola,
que bom que você apareceu. Seja muito bem-vinda. Você viu que eu já até coloquei seu link aqui para eu não perder o caminho. Também gostei bastante do seu espaço.
Tenho blog há dois anos e meio. É verdade que não é uma produção intensa, às vezes fico semanas sem postar. Tudo depende de como consigo administrar meu tempo. Mas se negligencio por aqui, nunca deixo de fazer minhas visitas aos blogs amigos.
Quanto ao sistema de notas, rsrsrs, mudei há pouco tempo. Parecia não fazer muito sucesso não, rsrsrsrs. Mas qualquer hora dessa, crio outra coisa. Bom saber que você gostou.
Lola, faço 42 em outubro, sou de 1966.
Adorei a visita e o papo. Volte mais.
Abração

lola aronovich disse...

Ah, que bom, Demas. Vamos trocar opiniões sobre os filmes. Logo logo, quando eu voltar a SC, só vou poder ver os filmes (e escrever sobre eles) com semanas de atraso, porque muita coisa demora a chegar por lá (quando chega). Aliás, vc aí em SP tá melhor que eu em Detroit. Apesar do grande número de multiplexes, é raríssimo cinema nos EUA que passe filme estrangeiro ou mesmo independente (tirando NY e LA). Bem triste isso.
Só não vou te colocar imediatamente na minha (ainda pequena) lista de links porque um dos critérios é postar duas vezes por semana, no mínimo. Não são todos os blogs linkados que fazem isso, mas, quando os linkei, faziam. Vamos ver como é a sua frequência...
Eu não gostei muito de Fim dos Tempos, mas não fui das que odiaram. Minha crônica táqui.
E Longe Dela é ótimo. Infelizmente só vi o filme em dvd (não passou aqui) e não escrevi sobre ele. Só o incluí na minha lista dos melhores de 2007.
Respondi o seu comentário lá no blog. Abração!
AH, mais uma coisa em comum: já fui publicitária, em outra encarnação.

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Lola,
quanto ao link, esquenta não. Eu os coloco ao lado, primeiro, porque são blogs que eu gosto; segundo, para não deixar de visitá-los. Sabe como é o corre-corre, né? Estando ali, eu acabo dando uma olhada e fazendo uma visita. Quanto a minha frequência de atualização, pode até ser que em uma semana ou outra (como essa que passou, por exemplo), eu publique mais de um comentário. Mas isso é raro.
Abração

André Renato disse...

Acho que nem como entretenimento de suspense o filme se salva completamente. Se formos enxergá-lo na chave da despretensão e do humor, do ridículo, algo dele se salvará. Mas não sei se Shyamalan quis ser tão despretensioso assim. Mesmo que fosse, não atinge o nível de um Roger Corman, por exemplo... É um filme polêmico mesmo!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

André,
então ficamos assim: pelo menos no quesito "polêmica", o Shyamalan vem se mantendo imbatível, rsrsrs.
Abração

Anônimo disse...

Demas, fico muito feliz em ver que temos a mesma opinião enquanto a “Fim dos Tempos”, um filme que me divertiu à beça. Já sabia o que esperar do filme por ficar atento ao que Shyamalan nos alertava antes do seu lançamento, sendo que o seu filme nada mais seria do que uma diversão com um quê de filme B. E foi capaz de fazer isto em união de um argumento de sua própria autoria que diz muito sobre o estado de preservação do nosso Meio Ambiente e como o Homem é capaz de destruí-lo de diferentes maneiras. E destaque aos suicídios, especialmente a de Betty Buckley – arrepiante!

Abraços!

Anônimo disse...

É isso mesmo, Alex.
Abração

pseudo-autor disse...

Eu não sei... Faltou alguma coisa nesse filme. Não sei exatamente o que é. No entanto, não concordo com a maioria das críticas que li sobre ele (chamam de perda de tempo, de o fim de shyamalan e etc. e tal). Está longe dos melhores filmes dele, mas tem seus momentos de brilhantismo.

Discutir a Mídia?
http://robertoqueiroz.wordpress.com

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Contra-regra,
acho que me empolguei um pouquinho mais que você com esse Shyamalan. Mas concordo que não é o desastre cinematográfico que vai sepultar o diretor como vem sendo propagado.
Abração