fevereiro 14, 2006

"Menina de Ouro"

(Million Dollar Baby, 2004 - Clint Eastwood)
"Menina de Ouro" prova que Mr. Eastwood é como vinho bom na Meca do Cinema. Seus filmes estão cada vez melhores e impregnados de características peculiares desse cineasta que – outrora durão – tem-se especializado em fazer cinema com uma sensibilidade memorável: direção enxuta, trilha minimalista, atuações brilhantes, fotografia de tons sombrios... Muito já se falou sobre "Menina de Ouro", que tem encantado multidões e desagradado alguns poucos pelo roteiro previsível (sic). Sou obrigado a discordar desses últimos porque é somente na superfície, naquilo que a história tem de mais evidente – a luta de uma garota para convencer um treinador ranzinza a introduzi-la no mundo do ringues – que deduzimos (em parte) os rumos desse filme melancólico e encantador.
Se a arte de fazer cinema é aquela de contar sempre a mesma história de forma diferente, Eastwood é grandioso aqui. Apesar dos muitos clichês dos filmes de boxe estarem presentes em "Million Dollar Baby", ele consegue subvertê-los, colocando-os como trampolim para falar de sentimentos como rejeição, culpa, solidão, (in)decisão, confiança, (des)encantos, arrependimentos, medos, ceticismo, traições e, evidentemente, amor. São as reflexões e as emoções desencadeadas a partir deles que dão um nocaute em quem está tranqüilamente recostado na sua poltrona na sala de projeção. E o diretor faz isso tão bem que o público se sente como as adversárias da pugilista Maggie Fitzgerald (Hilary Swank em boa atuação, lembrando os tempos de "Meninos não choram"): tudo é luminoso até o momento em que o chão some dos pés e vem a escuridão. Acontece uma mudança de ritmo fabulosa no terço final de "Menina de Ouro". É quando todos aqueles sentimentos citados acima entram no ringue ao mesmo tempo e fica praticamente impossível deduzir o que irá acontecer. Nessa hora, cada espectador da platéia faz suas apostas e espera quietinho o final da luta – digo, do filme. Quando as luzes se acendem, fica evidente que o grande vencedor é o Cinema, com "C" maiúsculo mesmo. Seja pelo entretenimento, pelas lágrimas ou pela perícia em conduzir um grupo de atores por um caminho aparentemente conhecido, mas que – no entanto – leva a um horizonte inusitado, Clint Eastwood dá aula de bom cinema e mostra que Hollywood é bem mais que glamour. "Menino" de ouro esse diretor...

PS: O texto foi escrito à época do lançamento do filme. Publico aqui em função do resultado do "Alfred 2006", uma espécie de Oscar da "Liga dos Blogues Cinematográficos". A Liga é formada por mais de 60 blogueiros (eu, inclusive) que escrevem sobre cinema e a terceira edição do Alfred consagrou "Menina de Ouro" como o melhor filme de 2005.

2 comentários:

Anônimo disse...

O roteiro pode nem ser previsível, mas é de uma falta de delicadeza impressionante. E não concordo com o chavão "Eastwood subverte os clichês do gênero". Parece mentira contada muitas vezes que acaba parecendo verdade.

Gostei de Menina de Ouro. Mas não acho um grande filme. É medíocre perto de outras obras do Eastwood, como Os Imperdoáveis e As Pontes de Madison (até mesmo de Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, que eu adoro).

Abraço

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Antonio, quando digo que o Eastwood subverte os clichês, é porque enxergo exatamente isso: pegue um "Rocky" da vida como exemplo. A coisa da superação está ali e em "Menina de Ouro" também. Clichêzão. Mas o caminho e as escolhas da boxeadora do filme do Eastwood fazem deste clichê apenas uma escada para abordar reflexões mais interessantes. Abração.