fevereiro 23, 2006

"Reconstrução de um amor"

(Reconstruction, 2003 - Christoffer Boe)
Todos nós sabemos dos estragos que a traição pode causar a uma relação. Por vezes, o mundo parece sair do eixo e muitas coisas perdem significados e valores. O encanto de "Reconstrução de um amor" está justamente na materialização desses sentimentos. Alex - mais uma atuação formidável de Nikolaj Lie Kaas (ver “Corações Livres”, de Susanne Bier) - vive um relacionamento tranqüilo, duradouro e aparentemente feliz com Simone. Até o dia em que conhece Aimeé num bar e trocam umas palavras. É a partir desse encontro que as coisas ficam interessantes: quando chega ao prédio em que mora, Alex não encontra seu apartamento (o imóvel desapareceu). Parece absurdo? Ele vai à casa de uns amigos e - surpresa! - eles não o reconhecem. Nem a namorada traída se lembra dele. Então, está todo mundo doido? É muito instigante e criativa a maneira como "Reconstrução" retrata as seqüelas da traição. Quando se vive uma história de amor, cria-se um mundo que não é só de um ou do outro, é dos dois. Natural, pois, que a infidelidade destrua esse universo, colocando-o de cabeça pra baixo. É exatamente assim que o filme lida com o tema. E quanto mais inacreditáveis se tornam as situações vividas por Alex, mais aumentam as possibilidades do espectador se deixar seduzir pelas cores – ora quentes, ora sombrias - dessa tela que o amor vai pintando a partir das situações vividas por quem decide compartilhar a vida com outra pessoa. Claro que o fato da mesma atriz interpretar a namorada traída e a amante contribui para deixar o roteiro "confuso" e, conseqüentemente, irritar boa parte da platéia. Mas em compensação, abre também um leque soberbo de leituras sobre o dia-a-dia das histórias de amor. Vejamos algumas delas: Aimeé é a mulher que Alex gostaria que Simone fosse (será por isso que as duas personagens são interpretadas pela mesma atriz, Maria Bonnevie?). Simone vê na atitude do namorado a negação do amor, de modo que não reconhece em Alex o homem que amava (será por isso que ela o vê como um estranho no primeiro encontro após a traição?). E se Simone se transformasse na mulher idealizada por Alex, será que ela suportaria ficar com ele? Se uma relação reatada costuma trazer a promessa de zerar tudo, de recomeçar, não seria natural que Alex e Simone tivessem que conquistar um ao outro novamente, reconstruir o amor que se perdeu? Não vou divagar mais sob o risco de entregar de vez o filme. Para mim, ficar confabulando - durante e após a sessão – sobre tantas possibilidades transformou "Reconstrução" numa pérola. Palmas para Christoffer Boe por contar a velha saga dos amantes num formato menos convencional, com roteiro não-linear e de interpretações fortes, repleto de respostas sobre o amor. Elas não estão claramente expostas, mas estão lá, à espera que o espectador as perceba. Um dossiê sobre o amor, é isso que "Reconstrução" é.

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